Jair Bolsonaro retornou ao Brasil na quinta-feira 30, após três meses em Orlando, no estado norte-americano da Flórida. O retorno do ex-presidente é comemorado por opositores do governo Lula (PT), que têm sofrido com a carência de uma liderança para enfrentar o petista. Apesar de rechaçar a alcunha de líder da oposição, ele é a aposta do PL para inflamar a militância conservadora e ampliar o tamanho do partido, de olho nas eleições municipais de 2024. A sigla ainda trata com cautela sua eventual indicação para tentar a Presidência em 2026 — a inelegibilidade do ex-mandatário é dada como certa por alguns aliados. Antes da agenda política, no entanto, Bolsonaro terá uma missão espinhosa: tentar explicar à Polícia Federal a entrada ilegal no País das joias recebidas do governo da Arábia Saudita. Seu depoimento está marcado para a quarta-feira 5, na sede da PF, em Brasília.

O ex-presidente precisará provar que não cometeu ilegalidade ao tentar burlar a Receita Federal para engressar com os presentes dados a ele e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro após viagem da comitiva brasileira à Arábia, em 2019. Antes de ser intimado pela PF, ele já havia sido obrigado, por ordem do Tribunal de Contas da União (TCU), a devolver as joias, além de armas de fogo também presenteadas por governos estrangeiros. A denúncia sobre supostas irregularidades envolvendo presentes diplomáticos é apenas a ponta do iceberg do cenário adverso que encontrará a partir de agora em território brasileiro, especialmente no âmbito da Justiça. O ex-presidente responde a 16 ações no Tribunal Superior Eleitoral (TS), que podem lhe render a perda dos direitos políticos, e outras cinco investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), com punições passíveis de pena de prisão. Ele mesmo tem admitido o risco de acabar preso.

“Bolsonaro precisa responder por tudo que fez. Da rachadinha ao negacionismo da vacina, da desqualificação da urna eletrônica aos atentados à democracia. Não podemos fingir que nada aconteceu. Não faltam provas para que ele seja condenado e pague pelos seus crimes”, disse à ISTOÉ o líder do PSOL na Câmara, Guilherme Boulos (SP).

MANSÃO Imóvel onde Bolsonaro e Michelle vão morar, próximo à fazenda do ex-piloto Nelson Piquet, na qual o casal escondia as preciosidades sauditas e outros presentes de luxo recebidos nos últimos quatro anos (Crédito:Agência Capta)

Chegada frustrada

Bolsonaro desembarcou por volta das 6h40 no Aeroporto Internacional de Brasília, onde alguns apoiadores o aguardavam, ainda que a mobilização tenha sido bem mais tímida do que a prevista. Seus aliados esperavam milhares de pessoas, mas o número não passou de poucas centenas. Toda vez que a porta do desembarque se abria, os eleitores gritavam “mito” e puxavam o coro de “o campeão voltou”. A decepção foi crescendo até culminar em vaias, quando o passageiro Antônio Dias Miranda, de 33 anos, deixou o voo fazendo o “L”, de Lula. Sem um encontro ou um aceno do ex-presidente, os bolsonaristas deixaram o local frustrados. Enquanto Eduardo Bolsonaro (PL-SP) distraía os apoiadores posando para fotos, seu pai deixou o local em uma rota alternativa pré-estabelecida pelas autoridades policiais. Ele teve de obedecer a um forte esquema de segurança, que contou com o bloqueio de vias e reforço no policiamento, visando conter eventuais tumultos e atrasos em voos.

O ex-presidente chegou a manifestar o interesse de desfilar pelas ruas da capital federal em carro aberto, mas a ideia foi logo vetada por questões de segurança. Do aeroporto, foi para a sede do diretório nacional do PL. Lá, diante de poucos apoiadores, foi recebido por Michelle, Valdemar Costa Neto e parlamentares aliados. Gravou um vídeo agradecendo o apoio e sinalizou que pretende contribuir com a oposição. “Vocês estão fazendo o que realmente tem que ser feito e mostrando para esse pessoal que não farão (sic) o que querem com o futuro da nossa nação. Somos a maioria dentro do Congresso. A bola está com vocês”, disse ele.

Segundo o vice-presidente do PL, deputado Capitão Augusto (SP), Bolsonaro chega para coordenar a oposição. “Temos o desafio de reestruturar a direita e a ala conservadora do País, e ele é o mais indicado para conduzir esse trabalho agora. Acredito que Bolsonaro e Michelle farão tudo de melhor pelo partido e devem ajudar muito no nosso crescimento, seja por engajamento ou pelo número de filiações”, disse ele à ISTOÉ.

Salário e mansão

O PL quer empossar Bolsonaro como Presidente de Honra do partido já na próxima semana. No cargo, ele receberá um salário de R$ 39,2 mil, equivalente ao teto salarial do serviço público – é o que ganha um ministro do STF. A remuneração se somará às aposentadorias da Câmara e do Exército, o que lhe renderá valor mensal de quase R$ 100 mil. Como presidente do PL Mulher, Michelle terá salário compatível ao de um deputado federal (em torno de R$ 33,7 mil). Ainda não há, porém, uma agenda definida para o casal. Sabe-se apenas que terão uma vida confortável na capital federal.

Michelle e Bolsonaro vão morar em uma mansão localizada em condomínio fechado, no Jardim Botânico. O imóvel fica a 12 quilômetros do Palácio da Alvorada, onde viveram por quatro anos, e possui 400 metros quadrados de área construída. O aluguel não deve sair por menos de R$ 12 mil. Semana passada, a casa recebeu reforço na segurança, inclusive com vigilantes armados. O local possui áreas de lazer, com quadras poliesportivas e rondas 24 horas, além de espaço gourmet, salão de festas e de jogos. Já era ocupado por Michelle e as duas filhas desde fevereiro e está a 160 metros da fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet. O local era utilizado pelo casal para guardar pertences pessoais e presentes recebidos ao longo do mandato, incluindo as joias sauditas investigadas pela PF.