Formas geométricas, paleta e repetição de padrões costumam lembrar desenhos, peças de arte. Mas por que não uma bela massa? Desde 2016, o venezuelano David Rivillo, radicado em Porto Alegre há nove anos, provou ser possível reunir os elementos visuais dentro do prato. O resultado são espaguetes, raviolis, capeletes, pappardelles e canelones ao mesmo tempo artísticos e comestíveis. A receita do designer une a afeição pela cozinha da infância, a formação em química e a paixão pelas artes plásticas. Após sete anos de aprimoramento, a tal arte comestível chega a diversos países, enfeitando pratos e provocando os sentidos de quem ousa investir na inovação.

“Gosto muito de arte, mas nunca estudei. Procurei aprender para melhorar a combinação de cores”, conta, lembrando dos tempos em que ainda se dividia entre o trabalho com pesquisa científica na UFRGS e o estudo das massas artísticas. “Estudava duas horas por dia no ônibus, entre a minha casa e a universidade”. Aos poucos, ele ia trilhando sua própria rota profissional em meio ao desenvolvimento das complexas iguarias. “Adiciona-se um nível a mais de dificuldade no prato. Não é simplesmente misturar. É entender os processos para criar um design e ter um produto final para consumo.” Assim que atravessou as barreiras da execução, veio o segundo dilema: comer ou não comer, era a questão. “Fiz umas lâminas e gostei tanto que não sabia o que fazer com elas. Entendo meus clientes que levam tempo para consumir. Mas eu estava com a geladeira cheia. Tinha que comer ou não poderia produzir mais.” Foi assim que a curiosidade pela massa colorida virou trabalho e, há cerca de um ano, instigado pela esposa Claudia Rivas, que cuida da administração do negócio, ele deixou a carreira acadêmica para se dedicar ao universo igualmente espinhoso de uma gastronomia artística.

CRIAÇÃO David Rivillo: desenvolvimento de receitas e instrumentos necessários para decorar as obras-primas (Crédito:Divulgação)

“Procuro desenhos que sejam desafiadores para aumentar o catálogo. Não só listras e linhas, gosto de customizar”, conta o artista que trabalha, na maior parte do tempo, com encomendas. Capelete violeta para homenagear uma pessoa de mesmo nome, pappardelle vermelho para a Ferrari e até folha de massa inspirada na pele de um polvo venenoso já desenvolveu para uma galeria de arte no exterior. Essa foi a mais longa concepção: oito meses, 30 protótipos. Foi inclusive um pedido que abriu a porta do negócio, quando o chef David Skinner, do restaurante Eculent, disse que pagaria qualquer quantia pelo alimento decorado. Três meses depois, a primeira caixa de preciosidades embarcava para o Texas e, hoje, os Estados Unidos são o principal mercado do designer. Desde então, além dos consumidores e seguidores crescentes nas redes sociais, outros chefs viriam a se interessar e se impressionar com a criação do alquimista.

Concepção

“O trabalho dele é inexplicável. Fica todo mundo quebrando a cabeça para tentar entender. Fora que não é só um produto bonito, é de ótima qualidade”, conta o chef Emerson Kim, que já preparou até lámen com o espaguete bicolor. “Como estou num processo inicial, fica no segredo industrial”, brinca David. O que pode entregar é que é tudo feito de maneira artesanal e, além das técnicas, as ferramentas para execução dos mais precisos desenhos foram todas desenvolvidas por ele, com base em instrumentos de arte. Os corantes são naturais (cúrcuma, páprica, spirulina, cacau, espinafre, couve) e a atual fonte de pesquisa é o chimarrão, típico da região que escolheu para viver.

As referências visuais também vêm do entorno. “Nas ruas, você consegue padrões em muitas partes. Nas calçadas, há flores por todos os lados. As inspirações vêm do que me rodeia.” A natureza e a arte sugestionam as criações de David, que, por sua vez, inspira cada vez mais chefs em preparos criativos. “A junção da gastronomia com a arte é necessária. Ambos são mutantes e precisamos sempre apresentar algo novo para os clientes. Produtos como esse tem a função de impressionar no visual e surpreender no sabor, se tornando uma experiência para quem come”, fala Lucas Cinti, chef responsável pela cozinha do Chef’s Table, evento que acontece em Porto Alegre até 29 de abril, para o qual David preparou 15 kg de massa em apenas dois dias. Thiago Maeda utilizou os produtos quando ainda eram novidade, e também enxerga a linha tênue entre gastronomia e arte. “A massa adiciona mais beleza a algo, às vezes, apático, ao trazer cores vivas para o prato final”, conta o chef que usou a massa em um guioza, bolinho chinês geralmente de cor neutra, recheado de porco, camarão e kimchi.

NA MODA Parceria: inspirada nos desenhos de Rivillo, a loja chilena microteje elaborou uma linha de tecidos (Crédito:Divulgação)

A apresentação e as combinações são outro capítulo dessa história, sobretudo para quem logo pensa em “rios” de molhos e queijos. “Se você pegar meu espaguete e encher de molho, vai mudar o produto”, diz Rivillo. Nas redes sociais, ele orienta sobre as melhores formas de servir e consumir o prato que pode ser o único: o quilo do produto chega a custar R$ 2.000. “É preciso procurar ingredientes que harmonizem com a cor e o design da massa, além
de dar sabor.”