14/10/2022 - 9:30
Se existe algo fácil de sentir e difícil de explicar é a felicidade. Em seu novo livro, o historiador Peter Stearns, professor da George Mason University, nos EUA, não tem a pretensão de definir esse sentimento tão desejado por todos nós. Sua missão é mais pragmática: apresentar como o significado de “ser feliz” tem se transformado ao longo dos séculos.
Mesmo assim, a missão é complexa. Não apenas porque se trata de uma impressão subjetiva, mas porque é vista por muitos como uma característica básica do arsenal de emoções humanas – basta ver que bebês aprendem a sorrir por volta das quatro semanas de vida, independente da época ou lugar em que nasceram.
O que torna a obra de Stearns fascinante, porém, é perceber como o conceito de felicidade se altera de acordo com as mudanças no contexto histórico. No início do século 18, intelectuais na Inglaterra e EUA enfatizavam a importância de uma “conduta melancólica”, reflexo da influência da Igreja, que defendia a imagem de um Deus crítico e bravo. Segundo Stearns, há relatos e cartas de pessoas que se “desculpavam pelos momentos de riso”.

Décadas depois, a alteração nesse comportamento pode ser vista em textos de poetas britânicos: “Oh, felicidade! Felicidade é o propósito do nosso ser”, escreveu Alexander Pope. “A melhor coisa que se pode fazer é permanecer alegre e não padecer de qualquer mau humor”, concordava John Byrom.
No século 19 houve uma nova leitura: líderes cristãos e muçulmanos passaram a vender a ideia para seus fiéis de que a felicidade plena só seria atingida após a morte, quando entrassem no paraíso. Entre os protestantes, o período marcou a chegada de outra curiosa novidade: as famílias começaram a celebrar os aniversários de seus filhos, uma maneira de proporcionar bem-estar às crianças e jovens desde os primeiros anos da vida.
A busca pela felicidade como objetivo primordial da vida se consolidou no século 20. Episódios dramáticos da história mundial, como as duas grandes guerras, permitiram uma evidente associação entre a alegria e a tristeza, baseada nos objetivos alcançados nos confrontos militares – do holocausto, símbolo do desalento, à libertação da Europa, catarse da euforia.

Como mostra Stearns, o início do século 21 e o consequente advento da tecnologia promoveram a ideia de que seria possível, pela primeira vez, “medir” se um povo era feliz ou não a partir de critérios objetivos. Em 2012, a ONU começou a realizar entrevistas para determinar o nível de felicidade ao redor do mundo. O levantamento mostrou que nações ocidentais com bons índices sociais, caso dos países escandinavos, da Suíça e da Holanda, entre outros, apresentavam os melhores resultados.
Na sequência, a lista trazia sociedades mais complexas e miscigenadas, mas ainda assim com valores democráticos, como EUA, Inglaterra e Alemanha. No final da lista, países com profundos problemas sociais, entre eles Sudão do Sul, Afeganistão e Síria.
Realidade social
Muito mais do que confirmar alguma tese ou saciar a curiosidade geral acerca do tema, o relatório serve para comprovar que esse quociente de satisfação traz embutido um forte componente cultural – países do Caribe ocupam posições intermediárias do ranking, mesmo enfrentando cenários coletivos precários –, mas é determinado verdadeiramente pela relação social e política do local onde está inserido. Por outro lado, a ideia de definir a felicidade pel objetividade exclui fatores essenciais, como as características únicas de cada sociedade.
Nos EUA, por exemplo, a cultura está condicionada para externar alegria, principalmente após o advento das redes sociais, ambientes em que ser feliz é quase uma obrigação das personas digitais. O Japão, por sua vez, é menos individualista, e a avaliação do que é sucesso ou fracasso depende de um sentimento de equilíbrio familiar e comunitário. A ênfase, nesse caso, está mais na relação com o outro do que na busca pelas conquistas individuais. O livro de Peter Stearns nos mostra que, mais do que um sentimento permeado pelo tempo, a felicidade é algo que vamos continuar buscando, mesmo sem compreender ao certo o que ela significa.