Espera-se que 5 bilhões de pessoas, ou dois terços da população do planeta, acompanhem a Copa do Catar, entre 20 de novembro e 18 de dezembro. Além da suntuosidade com que pretendem assombrar o mundo como primeiro país muçulmano a sediar o maior evento do futebol, os organizadores destacam inovações tecnológicas que serão usadas no torneio, como um “árbitro de vídeo” mais sofisticado que o VAR, porque vai antecipar impedimentos. Ao mesmo tempo em que se aproxima a Copa de US$ 200 bilhões (valor total investido, segundo o próprio governo do Catar), aumentam os protestos por violação de direitos humanos, que ganharam muito mais força com a publicação do jornal britânico The Guardian sobre a morte de 6.500 operários nas obras, à média de 12 por semana desde 2010, na África do Sul, quando a Fifa anunciou Catar 2022. A Rússia 2018 também teve a escolha cercada por denúncias de suborno.

LUXO ESCANCARADO O Estádio “Taça de Ouro” (no alto), em Lusail, que receberá a final da Copa em 18 de dezembro, e seu espaço VIP (acima): mínimo consumo de água e energia (Crédito:PA Images/Alamy/Fotoarena)

Assim como as Olimpíadas, as copas de futebol passam por uma transição, porque os custos se tornaram tão elevados que poderiam tornar inviáveis esses megaeventos. A Fifa garantiu duas competições com a riqueza estatal da Rússia e a montanha de petrodólares do Catar, que tem a metade da área de Sergipe (o menor Estado brasileiro) e população de 2,7 milhões. Mas a próxima, em 2026, só se fez possível com a abertura de uma aliança de três países-sede: EUA, Canadá e México.

De toda forma, a vitrine para patrocinadores de uma Copa do Mundo tem alcance global, com audiência assegurada e agora não apenas pelas tevês abertas, mas também por plataformas da internet acessíveis em tempo real por celulares nos locais mais distantes do planeta. Os turistas que forem ao Catar estarão imersos em novidades tecnológicas que incluem banheiros com lavagem química (que também retira “maus odores” do ambiente) em vez de usar água, de altíssimo custo em um clima de deserto. Também ganhou destaque a inclusão, que passa por salas imersivas para autistas acompanharem com mais foco os jogos, e pelo bonocle, a plataforma que repassa textos à linguagem em Braille para torcedores com deficiência visual. Até o álcool, com consumo proibido pelas leis islâmicas, será tolerado em “áreas especiais” dos estádios e dos arredores das cidades.

Com cerca de 30 mil vagas em hotéis, bem abaixo do que seria preciso para 1,5 milhão de turistas previstos, o país conta com a Qatar Airways e parceiras aéreas para 150 vôos bate-volta diários à capital Doha, saindo de vizinhos como Kuwait, Omã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Uma das grandes vantagens dessa Copa “compacta” é o torcedor poder comparecer a dois jogos ao vivo no mesmo dia, porque os oito estádios estão a no máximo uma hora de distância um do outro.

Sustentabilidade e inclusão

O Catar se dispôs a fazer uma Copa sustentável ­— o Estádio 974, por exemplo, foi levantado com esse número de contêineres funcionando como peças de um Lego gigante (o 974 também se refere aos lugares VIP da arena, assim como marca o DDI telefônico do país). À beira-mar e com 40 mil assentos, será o local do segundo jogo do Brasil pelo Grupo G, contra a Suíça, em 28 de novembro. Encerrada a competição, esse estádio — o primeiro do mundo “construído para ser demolido” — poderá ser reduzido ou desmontado, com os contêineres liberados para outros usos. O Estádio Al Bayt, que recebe o jogo de abertura ­entre Catar e Equador, em 20 de novembro, tem forma de uma tenda beduína futurista, com teto retrátil e a climatização “personalizada”, a mesma dos outros seis estádios (o 974 tem ventiladores gigantes).

BOICOTE Faixa de torcedores do Bochum, time alemão da Bundesliga, contra a Copa 2022, pela violação de direitos de imigrantes como os nepaleses: denúncias de surtos de ebola e zika em alojamentos no Catar (Crédito:David Inderlied)

A temperatura varia nas arquibancadas de acordo com o número de torcedores, e ainda tem autonomia específica sobre o campo, para conforto dos jogadores. O calor chega a 50 graus no verão do Catar e por isso a Copa foi deslocada para o fim do ano, quando a temperatura é mais amena.

O Estádio Lusail, apelidado de Taça de Ouro e que abrigará dez jogos da Copa incluindo a final (em 18 de dezembro, o Dia Nacional do Catar), foi projetado para consumir o mínimo de energia possível. É revestido por placas douradas triangulares dispostas em uma tela perfurada para a entrada de luz e apoiada em uma estrutura que possibilita a curvatura de um vaso islâmico. O design abraça o espectador, que entra por um saguão aberto a dois lances de arquibancadas, bem próximas do campo — e, claro, dos lances disputados pelos jogadores sob luz natural. Ele ainda poderá usar uma camisa com sensores de baixa potência impressos no tecido, que medem batimentos cardíacos, respiração e hidratação. Com conexão em Bluetooth a uma base, o torcedor tem seus sinais vitais monitorados.

As inovações alcançam os jogadores das 32 seleções (o Brasil é o único país com cinco títulos) e o próprio futebol. A bola Al Rihla da Adidas tem tecnologia “embarcada”, com sensor de movimento em seu centro, para transmitir 500 dados por segundo em tempo real aos oficiais do VAR, o já conhecido “árbitro eletrônico”. A essas informações coletadas se somam outras, de 12 câmeras sob o teto e ao redor do estádio, que rastreiam até 29 pontos de cada jogador (principalmente rosto e extremidades dos membros), 50 vezes por segundo, determinando sua posição exata no campo. Com essa tecnologia, que tem animação em 3D, e pode ser transmitida ao público pelos telões, o sistema aciona um alerta automático de impedimento no momento em que a bola é chutada para um jogador que esteja em posição irregular.

Boicote europeu

Enquanto isso, além das cidades francesas, belgas, alemãs e suíças, também empresas, personalidades e até federações de futebol se mostram dispostos a boicotar a Copa do Catar, diante das graves denúncias de violação de direitos dos trabalhadores da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka. Os protestos se espalham pela Europa, onde várias das chamadas “fan zones” da Fifa, com telões em praças públicas, já foram banidas a partir da iniciativa da francesa de Estrasburgo, que repudiou a festa “por cima de cadáveres”. O jornal francês Le Quotidien não vai enviar jornalistas à Copa e celebridades como o ex-jogador Eric Cantona e o ator Vincent Lindon também manifestaram indignação com a denúncia sobre as condições de trabalho e as mortes dos operários.

Protesto em campo

A marca que veste a seleção da Dinamarca vai levar a campo a manifestação contra a violação de direitos humanos de operários imigrantes responsáveis pelas obras da Copa do Catar, acentuando as 6.500 mortes ocorridas desde 2010. A versão preta da camisa da Hummel sinaliza o luto. A vermelha e a branca também têm design e cores esmaecidas, para “apagar” a visibilidade de detalhes e do próprio logotipo. Em nota oficial, a empresa distingue o apoio à Dinamarca do país anfitrião. O Comitê Organizador do Catar 2022 diz que as alegações desprezam seus esforços pela saúde e segurança de 30 mil trabalhadores.

O mundial do Catar em números


em país muçulmano

200 bilhões
de dólares no custo total

60
vezes o custo da Copa da África do Sul em 2010

160 milhões
de dólares é o valor do jogador Mbappé, craque da Copa de 2022

1,5 milhão
de visitantes esperados

1.607,46
dólares por ingresso da final (46% mais que na Rússia em 2018)

80.000
lugares tem o Estádio Lusail, da final, que custou US$ 767 milhões