Algumas cidades brasileiras querem saber como devolver o inútil presente que receberam do governo federal. Trata-se de um estoque de seiscentos mil comprimidos de cloroquina, medicamento que a ciência comprovou que é ineficaz contra a Covid, mas que Jair Bolsonaro e asseclas teimem em defender. Donald Trump, quando presidente dos EUA, doou três milhões de doses da droga ao Brasil. E Bolsonaro repassou parte dessa doação. Picaretagem seguida de picaretagem. Para a cidade catarinense de Joinville foram transferidas 160.500 unidades em setembro de 2020. Agora, há caixas com 130.500 cápsulas que continuam atravancando o espaço na Secretária Municipal de Saúde. “Paramos de distribuir porque os médicos não estão prescrevendo”, diz Jean Rodrigues, secretário de Saúde. Em outubro, o destino dessa cloroquina é o lixo porque vence o prazo de validade. “Nessa quantidade significa desperdício”, afirma Luiz Carlos Dias, da Academia Brasileira de Ciência e do Instituto de Química da Unicamp. Ele não quer dizer que, somente para não jogá-la fora, deva-se usá-la contra a Covid. Ao contrário: é que toda essa cloroquina poderia ter sido direcionada a doenças nas quais ela funciona.

CORRENTE DO MAL Trump e Bolsonaro: inúteis doações (Crédito:JIM WATSON)

Em Manaus há 120 mil unidades, na cidade paulista de Presidente Prudente guardam-se mais de 100 mil comprimidos, e, também em Santa Catarina, no município de Lages, 57 mil doses esperam destinação. Sem sucesso, todos tentam devolver a cloroquina ao Ministério da Saúde. Por que o ministro Marcelo Queiroga não a aceita? Por causa do viés ideológico de Bolsonaro. Além disso, em um atropelo à razão, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) afirmou que a cloroquina serve para Covid – e a vacina não. Ou seja: subserviente como é ao capitão, dificilmente Queiroga tomará alguma providência.

É provável que Queiroga queira despejar toda essa cloroquina encalhada no SUS, em ato de desdém com a saúde pública. “Colocando-a no SUS, os médicos que seguem a cartilha do negacionismo poderão receitá-la”, critica Dias. Uma boa idéia, quem sabe, é mandar toda essa cloroquinada à casa de Bolsonaro – não ao Palácio da Alvorada, porque seria desrespeito com a República, mas sim a sua casa particular no Rio de Janeiro.