24/03/2023 - 9:30
Aplicações de recursos no exterior sempre foram importantes ferramentas de alocação estratégica de diversificação e mesmo para um planejamento patrimonial. Entretanto, eram possibilidades com difícil acesso e restritas a um público de grande poder aquisitivo. Até pouco tempo atrás essa possibilidade era voltada basicamente aos donos de grandes fortunas, mas isso mudou tornando-se mais democrática, com acesso inclusive para a classe média, que aproveitou a oportunidade e investiu em ativos financeiros em outros países, sobretudo nos EUA e em países da Europa.
De acordo com levantamento realizado pelo sistema de análises financeiras Comdinheiro/Nelogica, a migração de recursos para o exterior via fundos de investimentos cresceu 292% nos últimos cinco anos. Os valores direcionados para fora do País passaram de R$ 89,4 bilhões, em 2018, para R$ 350,9 bilhões, em 2023, considerando a data de 30 de janeiro. Somente entre 2021 e 2022, o salto foi de 150%, indo de R$ 138,7 bilhões para R$ 347,2 bilhões em um ano.
A classe média, que aproveitou oportunidades dos últimos anos para investir no exterior, se vê novamente em meio a uma nova instabilidade e está preocupada com o colapso que a quebra do Silicon Valley Bank (SVB), nos Estados Unidos, e a crise de liquidez que levou o Credit Suisse à derrocada espalhou mundo afora. Esse é o caso da consultora em educação corporativa Alessandra Canuto, que há cinco anos passou a aplicar em fundos de investimentos no exterior como uma alternativa para diversificar seus ganhos. Ela está bastante receosa com o que pode acontecer com seu dinheiro. “Fiquei bem atenta a tudo o que está acontecendo e me aproximei mais dos meus agentes de investimento. Tenho medo de esse ciclo se prolongar”, revela.
Já para Felipe Trindade, CEO do clube de investidores Know how Club, que investe em startups lá fora, toda essa crise de credibilidade no sistema financeiro abre portas para uma discussão de um novo modelo financeiro mundial. “A economia é cíclica. Apesar da instabilidade e medo, é um ótimo momento para quem sabe surfar as oportunidades”, declara. A demora na aprovação do novo arcabouço fiscal pelo presidente Lula e o impasse entre governo e Banco Central sobre a taxa de juros também tem gerado instabilidade e receio nos investidores brasileiros. “O desafio para instituições financeiras e empresas é alocar o capital de forma eficiente e inteligente, agora mais do que nunca”, aponta Marcus Cardone, economista da Trax Investimentos.
“Fiquei bem atenta a tudo o que está acontecendo e me aproximei mais dos meus agentes de investimento. Tenho medo de esse ciclo se prolongar” Alessandra Canuto, consultora em educação corporativa
Não é de hoje que os bancos norte-americanos sofrem com crises, como a atual. Desde a Grande Depressão de 1929, já ocorrem mais quatro grandes crises, a última em 2008, quando mais de 300 instituições quebraram. Depois da calmaria, novamente veio a turbulência. Aqui no Brasil, assim que investidores ficaram sabendo da falência do SVB, banco americano de startups, as atenções se voltaram às fintechs financeiras do País. “Os clientes estão com receio de colocar os recursos em operações com mais risco. Estão aceitando ganhar um pouco menos em troca de maior segurança e estabilidade”, afirma Rodrigo Laureano, diretor da Trax Investimentos.
Ainda que, ao menos neste primeiro momento, especialistas defendam que os ativos brasileiros estejam distantes dos problemas no SVB, qualquer volatilidade muito brusca no mercado norte-americano pode balançar carteiras por aqui, já que estamos falando do maior mercado de investimentos do mundo, de onde vêm investidores estrangeiros que ajudam a impulsionar a Bolsa brasileira. “A gente tem impactos indiretos que podem sim afetar os bancos aqui, pelo menos nos preços das ações e, claro, afetar o sentimento em relação aos mercados emergentes e aí eu acho que o Brasil acaba se encaixando dentro disso”, avalia Jennie Li, estrategista de ações da XP.
“Fiquei bem atenta a tudo o que está acontecendo e me aproximei mais dos meus agentes de investimento. Tenho medo de esse ciclo se prolongar” Alessandra Canuto, consultora em educação corporativa
O que dificulta uma crise igual à dos bancos americanos acontecer no Brasil é a estrutura da regulação bancária, bem mais rígida do que o sistema internacional previsto no Acordo Basileia, o que dá ao correntista nacional um grau maior de segurança. “O Brasil possui uma legislação muito mais dura que a dos países envolvidos na crise bancária. Na nossa visão, os grandes bancos seguem muito bem, com liquidez suficiente para cobrir saques e investimentos” explica, Rodrigo Laureano.
Com tantos eventos balançando o mercado global, para os investidores brasileiros que quiserem mais proteção no momento, seja por temores com o caso SVB, seja por questões ligadas ao mercado doméstico, a diversificação internacional ainda é a estratégia mais recomendada pelos especialistas que afirmam não haver necessidade de corridas para saques. “Não acho que seja um momento para as pessoas tirarem o dinheiro ou cancelar investimentos, só se tiverem com eles alocados em bancos pequenos, aí sim recomendo que busquem alternativas mais seguras”, afirma o professor honorário da Universidade de Oxford Daniel Toledo.