31/03/2023 - 9:30
Afloração das cerejeiras no Japão se inicia no fim de março, em uma onda de seis semanas que parte da região mais quente, no sul, para o gelado norte. Como o ano letivo que no país começa e termina na primavera, essa curta temporada simboliza reinícios, com a compra de material escolar mas também de roupas, além de mudanças de cidade a serviço das empresas, ou mesmo de empregos, porque a troca da estação também marca a virada do ano financeiro. As floradas coincidem com a época das principais decisões dos japoneses. É o shinseikatsu, conceito traduzido como “novo estilo de vida”. Mas, por causa da pandemia, a “demanda reprimida” dos contempladores do sakura (cerejeira) hanami (contemplação das floradas) já tem três anos. E se até 2019 a maioria de apaixonados pelas cerejeiras saía basicamente de China e Coréia do Sul, agora em 2023, com o Japão finalmente reaberto à entrada de visitantes, a economia espera reflorescer, com a invasão de 2,3 milhões de estrangeiros. O impacto do sakura hanami sobre o turismo para este ano está calculado em US$ 1,5 bilhão — o triplo de 2021, quando apenas parte dos japoneses se atreveu a sair de casa.
Tradicionalmente famílias inteiras e amigos procuram os melhores pontos para piqueniques à volta das cerejeiras nesta época do ano. Há mesmo confraternizações “da firma” e até encontros marcados para solteiros. As floradas são vistas como nuvens que envolvem as copas das árvores por curtos momentos, para se dissipar em seguida. E estão por toda parte, assim como reproduções em quadros e marmitinhas, em mangás e latas de refrigerante, em roupas e poemas. Vale destacar que, além de se tornar “cultura de massa”, hoje o sakura hanami serve como exemplo de consequências das mudanças climáticas no planeta: as floradas se antecipam desde 2020 e é cada vez mais difícil prever seu início por regiões, essencial para a programação do setor turístico.

Em poucos dias os ventos despem as cerejeiras, simbolizando a efemeridade da existência, sob o preceito budista que reconhece tanto a beleza como a mortalidade como intrínsecas à vida. Conta-se que a contemplação das floradas vem do Período Heian (séculos 8 a 12), quando era restrita a aristrocratas. Teria sido um jardineiro do Período Edo (séculos 17 a 19, dos xoguns) o precursor do cultivo das cerejeiras, depois espalhado pelo país — hoje são centenas de variedades, mas o predomínio é da somei yoshino, em 90%. A “abertura oficial” da temporada depende da observação de uma árvore-amostra e é preciso que cinco ou seis flores estejam abertas nos galhos (não sendo aceitas as abertas no tronco).
A festa das flores ao vento
Em 1912, o prefeito de Tóquio enviou mudas de cerejeiras como presente para Washington, nos EUA, em um gesto que se tornou conhecido como “diplomacia de sakura” e foi repassado a cidades da China e do Reino Unido, por exemplo.
Mas se a capital americana foi precursora no plantio das cerejeiras, com 3 mil pés, São Paulo superou essa marca. São 4 mil árvores, segundo Roberto Sekiya, que faz parte da Federação de Sakura e Ipê do Brasil. Como no hemisfério sul as floradas são na virada do semestre, é nessa época que a comunidade japonesa promove a Festa das Cerejeiras no Parque do Carmo, que ajuda a arrecadar fundos para os cuidados com as árvores e a manutenção da área do bosque. Em São Paulo há quatro variedades de cerejeiras, com formatos, alturas e galhos diferentes, assim como de tonalidades das flores.
Sekiya calcula que mudas de cerejeiras tenham sido trazidas por imigrantes e plantadas no Parque do Carmo por seus descendentes há pelo menos 45 anos (há ainda bosques nas cidades de Campos do Jordão e Garça). A cada Festa das Cerejeiras, são cerca de 100 mil pessoas em três dias, atrás das floradas e de atrações culturais e gastronômicas na zona leste da cidade. Desta vez, a 43a edição da Festa das Cerejeiras deverá aproveitar os sete a dez dias das floradas, e se estender a dois fins de semana, a serem determinados entre o fim de julho e o início de agosto.
