Resgatar pessoas ilhadas, encontrar corpos, levar assistência, descobrir soluções para minimizar ou extinguir esses problemas, tudo isso é muito sério e urgente na tragédia do litorl norte de São Paulo. Mas ainda é possível dar atenção às redes sociais e discutir um pouco a percepção das pessoas.

Há um tipo de comentário que se repete a cada acontecimento de morte e destruição com moradias em áreas de risco: “Por que essas pessoas não vão morar em outro lugar?”. Muita gente bate nessa tecla. De certo modo, é mais um episódio de colocar a culpa nas vítimas, um dos hábitos instintivos mais deploráveis que alguém pode carregar. Parte do princípio que o morador é um completo idiota, ao insistir em construir uma casa em uma área sujeita a alagamentos, deslizamentos e mais desgraças provocadas pelas intempéries.

É desprezar completamente os mecanismos de pressão social que empurram as pessoas para essas casas sob constante ameaça. No caso do litoral paulista, isso é tão óbvio que só não percebe quem não tem o hábito de raciocinar. Os ricos fazem suas casas e prédios o mais próximo possível das praias, empurrando os pobres para trás, para os morros que se erguem às vezes a uma distância bem pequena. Hoje, os ricos estão com as casas alagadas, mas são os pobres mortos debaixo de uma avalanche de lama, troncos inteiros de árvores e pedaços de casas humildes.

Hoje, os ricos estão com as casas alagadas, e alguns pobres estão mortos debaixo de uma avalanche de lama, troncos inteiros de árvores e pedaços de casas humildes

Por que não saem de lá? Porque a opção é morar muito longe. As encostas são bairros dormitórios para pessoas que têm ocupações próximas à praia. Mudar para uma cidadezinha ou uma vila mais afastada tem um impacto forte no dia a dia social e econômico dessa gente. E há outros exemplos claros.

Na gestão de Jânio Quadros como prefeito de São Paulo, nos anos 1980, ele retirou, e destruiu, inúmeros cortiços na capital. A opção oferecida aos habitantes das antigas casasnque foram alvo da operação estava em condomínios de casas populares, avaliadas como boas, construídas em núcleos habitacionais distantes do centro. Ficaram às moscas, enquanto os despejados procuravam outros imóveis para resistir na capital ou simplesmente dormiam na rua. A justificativa: melhor morar em péssimas condições no centro, mas perto das poucas opções de trabalho informal que tinham, além da mendicância.

Em todos os exemplos que podemos escolher, é importante buscar soluções. Contar os mortos e prestar ajuda aos sobreviventes são maneiras de combater o efeito, mas não enfrentar a causa.