Liz Truss quer ser Margareth Thatcher. Mas não tem nem o conhecimento, nem o discernimento que possibilite ir além da imagem copiada da “Dama de Ferro”, com blusas azuis de golas em laço ou o corte de cabelo parecido. A ex-primeira ministra que governou o Reino Unido nos anos 1980 podia ser uma locomotiva, mas estava amparada no espírito do tempo e na sólida análise de economistas. Liz Trust se revela, com apenas um mês de mandato, um caminhão desgovernado. Ela e o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng — apelidado de “kamikaze” pelos britânicos —, sacaram da cartola um ousado plano orçamentário para derrubar os impostos dos muito ricos. E, pior: sem descartar cortes de benefícios sociais diante de inflação histórica que passa de 10%. O próprio Partido Conservador condenou. A dupla deu meia-volta quanto aos milionários e, em paralelo, insiste nos financiamentos que aumentarão a dívida pública. A instabilidade causada pela premiê fez o Banco da Inglaterra intervir para remediar as ondas de choque provocadas nos mercados e bolsas da Europa, além dos EUA. Os irritados correligionários já ameaçam derrubar a pretensa “Thatcherita”, se necessário, para não devolver o Parlamento ao Partido Trabalhista nas próximas eleições.

FÚRIA NAS RUAS Manifestantes fantasiados como ministros da primeira-ministra Liz Truss protestam contra as medidas econômicas: cartaz irônico chama os políticos de “canalhas”, em tradução amena (Crédito:Hannah McKay)

Para o economista VanDyck Silveira, que por dez anos morou no Reino Unido, essas mudanças de direção colocam o governo em xeque. “Qualquer premiê, junto com seu ministro de finanças, precisa de um mínimo de credibilidade. É importante que os dois sejam confiáveis, que sinalizem que estão preparados para fazer o que é proposto e não que sejam desmoralizados já em início de mandato”, destaca. “Kwarteng precisaria ter sido demitido ‘ontem’, mas ela ainda dobrou a aposta, depois de ter dado marcha à ré.”

Onda de protestos

Diante da inflação galopante às portas do inverno (com preços estratosféricos de energia e comida), que pode bater nos 18% em 2023, Liz Truss inverteu prioridades — e, no caso, a ordem dos fatores faz a diferença. “A Thatcher tinha um nível elevado de leitura do ambiente político. Tomava decisões difíceis, duras e polêmicas, mas sabia o que fazer e onde mexer para chegar àquilo que queria aprovar. Por isso foi tão longeva como primeira-ministra [1979-1990]. A Truss é impetuosa, não lê a dinâmica da política. Nem viu a revolta com os cortes na saúde e no seguro social. Não tem sensibilidade, nem timing político. Pode cair e ainda levar o governo com ela”, critica o especialista.

Kamikaze Kwasi Kwarteng, ministro das Finanças, acompanha a chefe na impopularidade e na desconfiança do mercado (Crédito:Toby Melville)

A economia na Inglaterra em setembro
9,9% Inflação (em agosto: 10,1%, maior em 40 anos)
2,25% Taxa de Juros (subida de meio ponto no dia 23)
3,6% Taxa de desemprego do segundo trimestre

A justificativa para o corte de 45% de impostos pagos sobre renda acima das 150 mil libras esterlinas anuais (mais de R$ 1 milhão) tem sentido e segue a cartilha liberal, porque o dinheiro dos investidores poderia ir para obras e empregos, ajudando no crescimento da economia para além dos 2,5% ao ano. “Mas não deveria ser implantada agora, com mais geração de dívida pública, que já provocou queda do PIB e colocou o país em recessão diante da alta inflação, o que é completamente fora do esquadro para os britânicos”, diz Silveira. Anunciado o plano, as taxas de juros dispararam e a libra derreteu (quase se igualou ao dólar, chegando à mínima recorde de US$ 1,03 no dia 26). Protestos pipocaram nas ruas e até o FMI se manifestou contrário às medidas.

Pesquisas já haviam detectado queda de dez pontos na aprovação de Liz Truss desde que assumiu o cargo, em 6 de setembro (de 42% para 32%). Nos últimos dias, a agência Opinium apontou que apenas 18% aprovam a gestão de Truss, com 48% dizendo que ela deveria deixar o posto — situação semelhante ao do ministro de Finanças. O pior, para os conservadores, ainda é a ascensão do líder trabalhista Keir Starmer, que está com 38% de aprovação, salto de mais 9% em uma semana. A oposição trabalhista abriu 19 pontos de vantagem sobre o Partido Conservador, com 46% de aprovação contra 27%. Liz Truss colocou a própria cabeça a prêmio.