Desde meados de agosto, os principais candidatos à Presidência da República marcam presença todos os dias no horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, e também vêm sendo o centro das atenções nas redes sociais com suas campanhas. Sobram muitos ataques aos adversários, mas, a 20 dias do primeiro turno das eleições, pouco ou quase nada se ouve falar sobre os projetos de cada um para mudar o País nos próximos quatro anos. Pesquisa Genial Quaest divulgada no início do mês passado diz que, para 40% dos brasileiros, a economia é o principal problema brasileiro. Nenhum dos quatro principais candidatos, porém, se dispôs até agora a conversar com o eleitorado de forma clara sobre as medidas necessárias para corrigir os rumos da Nação, especialmente no aspecto econômico. Ainda de acordo com a Genial Quaest, em segundo lugar, apontado por 20% dos brasileiros, surge a “questão social” como a maior dificuldade da população, tais como a fome, miséria, desigualdade, pobreza, habitação e moradia. E a resolução dessas questões, evidentemente, também passa pela solução da crise econômica.

O programa de retomada econômica proposto pelo vice de Bolsonaro, general Walter Braga Netto, nunca saiu do papel. Com investimentos estimados em até R$ 300 bilhões, o Pró-Brasil foi apresentado pelo então ministro da Casa Civil, e jamais foi aplicado

O economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Economia, explica que não se trata de uma novidade nas eleições brasileiras essa abordagem rasa das equipe econômicas dos candidatos. “O que costuma acontecer no Brasil é que o candidato prepara um documento como sendo seu plano de governo apenas para cumprir a legislação eleitoral”, diz. “Se ganhar, só depois é que vai pensar no que vai fazer”. O ex-ministro diz que os candidatos até falam de economia – “mas só o lado bom, o lado agradável. Ninguém está preocupado se já dinheiro para cumprir as promessas”. Como exemplo, Mailson lembra as promessas de Ciro Gomes, que diz que vai criar uma renda básica de R$ 1 mil por habitante; e de Lula, que diz que com ele o Brasil vai voltar a crescer”, diz. Por sua vez, Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes adotaram o discurso de que a questão fiscal está sólida e que o Brasil está crescendo mais do que o resto do mundo. “Estão pintando um quadro meio idílico, para dizer o mínimo”, alerta. “Na verdade, ninguém quer falar sobre o lado ruim, o lado real. Ou não quer ou não sabe. Porque o que espera o próximo presidente da República é um ambiente muito desafiador”.

Bruno Santos

“Tem que combinar duas coisas: criar um caminho de retomada do crescimento e do emprego e combater a inflação” Aloizio Mercadante, coordenador econômico de Lula

O próximo presidente, de acordo com o economista, vai ter que encontrar uma maneira de restabelecer a âncora fiscal, e, para isso, será necessário atacar os gastos obrigatórios, o que implica discutir despesas com educação, saúde, previdência e gastos com pessoal. “O que o próximo governo tem para fazer é só coisa impopular, mas não se vê nenhum candidato, nem mesmo a Simone Tebet, que parece ter um discurso mais aprumado, falando do ajuste que tem que ser feito”. Sobre os dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas – Lula e Bolsonaro – Maílson avalia que nem um e nem outro reúnem as condições de capital político e liderança para enfrentar o que tem que ser enfrentado. “Daí por que a ausência completa de programas para enfrentar os enormes desafios da economia brasileira – tanto no aspecto fiscal quanto para fazer a economia crescer e ficam falando só de bondades”.

Campanha da fake news

Para o cientista político Rodrigo Prando, o único candidato a apresentar à Justiça Eleitoral um projeto consistente na área econômica foi Ciro Gomes. “Foi o único a buscar interlocução para discutir o assunto e colocar os problemas no papel”. Bolsonaro e Lula, ao contrário, não parecem preocupados com planos e projetos. “Estamos na era das fake news, das teorias da conspiração, da pós-verdade, é isso que mobiliza hoje as pessoas”, avalia. Ao invés de discutir projetos, os eleitores estão sendo movidos pela rejeição a um ou outro candidato, pelo ódio e pelo medo”. Ainda de acordo com o cientista político, os marqueteiros de campanha devem estar se utilizando disso para desestimular que os candidatos abordem o assunto, para evitar complicações. “A massa dos eleitores não está ligada nisso”, destaca Maílson da Nóbrega. “É bom ter em mente que, segundo o Datafolha, 53% do eleitorado recebem até dois salários mínimos. Essas pessoas não estão conectadas com problemas econômicos de longo prazo. “Para eles, a economia é o seu bem estar, há uma visão imediatista”, diz. Quando a economia vai bem, o eleitor vota no governo que busca a reeleição. Se a economia vai mal, ele vota contra o governo, lembra o ex-ministro.

Enquanto isso, os candidatos vão tocando suas campanhas, em grande parte, a reboque do que suas equipes conseguem prospectar, por meio da análise de pesquisas eleitorais e de opinião, e também com o monitoramento das redes sociais. Seus estrategistas identificam, dessa forma, a evolução dos assuntos de maior interesse ou rejeição do eleitorado e atuam para destacar pontos positivos e também para oferecer “antídotos” quando detectam arranhões ou mesmo potencial de dano à imagem dos candidatos. Em 2022, vêm gastando milhões com a compra de palavras-chave no Google e de anúncios no Youtube – inclusive para responder a ataques de adversários. Há, portanto, muito mais espaço para direcionamentos e reações calculadas do que para propostas efetivas. Perde o Brasil, que segue sem a chance de discutir com profundidade projetos para o País.