Lula assumiu a presidência do Mercosul nessa última semana decidido a usar o posto como plataforma para catapultar ainda mais a sua imagem internacional. Já tem até estratégia definida e parte da ideia de levar os chamados países emergentes à condição de negociação, de igual para igual, com os demais parceiros. Implícito nesse plano está o acordo do Mercosul com a União Europeia, emperrado por exigências demasiadas do bloco europeu, e que Lula almeja transformar na sua grande bandeira de conquista de prestígio nas relações multilaterais, colocando o Brasil como peça-chave dos entendimentos no concerto das nações. Não é pouca coisa, e o demiurgo de Garanhuns calcula, pacientemente, cada passo com os seus auxiliares diplomáticos e junto aos demais aliados sul-americanos para sair-se bem-sucedido na empreitada. O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, informou que “dentro de alguns dias” o governo apresentará uma contraproposta à UE. Nela, o princípio fundamental é o de não aceitar cláusulas que representem uma “espada na cabeça do Mercosul”, como definiu. Lula quer um entendimento isonômico, com um “ganha-ganha”, segundo suas palavras, e cujas condições sejam traçadas, alinhadas e concluídas até o final de 2023. Ele tem pressa. No posto, temporariamente, até dezembro próximo, o petista busca garantir dividendos por mais essa passagem no comando do Mercosul. Conta com o fato de o Brasil responder por cerca de 72% do PIB nominal do mercado. Sua voz ativa foi sentida e seguida já no encontro dias atrás, em Buenos Aires, quando até o presidente Argentino, Alberto Fernández, fez coro às demandas de Lula sobre o acordo bilateral com os europeus.

Antes de solucionar essa estratégica parceria, Lula terá de resolver outro espinhoso problema: o Uruguai ameaça pular fora para mudar de status e, assim, poder fechar de forma independente um pacto de livre comércio com a China. Há tempos vem sendo seduzido nesse sentido e parece disposto a aceitar a vantajosa negociação com o player asiático. Seria um desfalque grande e comprometedor ao já cambaleante bloco. Como um dos fundadores, o Uruguai exige a modificação do tratado para permanecer como membro. O país acredita existir uma espécie de “imobilismo” do grupo para firmar novas potenciais relações comerciais com outras regiões e não quer mais seguir nesse padrão. O ultimato reforça a tensão e as diferenças entre os demais. A união política e comercial entre os integrantes está, de fato, defasada e tem atrapalhado tratados em série. A entrada da Venezuela como participante eventual – montada em regime de ditadura – tem sido outro ponto de atrito a entornar o caldo por ali. A América do Sul como um todo vem sendo fortemente afetada pela burocracia da aliança e tem ficado de fora dos sistemas produtivos globais e interblocos. A impressão que se tem é a de que, não havendo mudança nas parcerias estabelecidas, os prejuízos eventuais aumentarão. Outros poderão seguir o comportamento uruguaio caso vislumbrem oportunidades. São desafios como esses que aguardam, logo no começo, a gestão de Lula na presidência rotativa. Ele terá de correr muito para aparar as arestas que surgem por todos os lados e assim evitar que, após 30 anos desde a sua criação, o bloco, já enfraquecido, desapareça de vez. Nessa cadeira de controle da aliança é que o petista deseja colocar em prática, a título de teste, um modelo de moeda comum apenas para transações externas. Seria, acredita, uma forma de convergência de interesses no campo monetário, o que poderia afastar os riscos e ameaças externas inerentes e provenientes do uso do padrão dólar. Com a moeda comum, segundo pregam os estudiosos da medida, Lula conseguiria transformar o sistema de pagamentos bilateral em um regime multilateral. A ideia pressupõe a integração de funcionamento dos bancos centrais do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Hoje, apenas de 1% a 4% dos comércios entre esses quatro países têm sido feito por meio do chamado Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML). A meta é multiplicar por dez o índice, barateando dessa forma o custo das operações. No conjunto das medidas, o que Lula pretende de fato é, em primeiro lugar, potencializar os negócios do grupo e, ao mesmo tempo, projetar a influência latina – e dele, pessoalmente – para o resto do mundo com pautas que cativem o interesse geral.