A mais recente crise institucional envolvendo o Congresso escancarou a dificuldade do governo em lidar com um ator político cada vez mais poderoso: Arthur Lira (PP-AL). Desta vez, o presidente da Câmara, que já vem dando claros indicativos de que não pretende facilitar a vida de Lula (PT) na Casa, age para barrar o retorno das comissões mistas destinadas à análise de Medidas Provisórias (MPs), em uma disputa acirrada por protagonismo com o presidente do Senado. Os deputados liderados por ele querem a manutenção do rito alcançado na pandemia de que a Câmara daria início às discussões das MPs, derrubando o dispositivo constitucional que obriga a discussão das medidas nas comissões com 12 deputados e 12 senadores. Lira diz que isso ofusca a Câmara e superdimensiona o Senado, admitindo ceder desde que sejam três deputados para cada senador. O ímpeto do deputado alagoano por mais poder para si e aliados só não surtiu efeito porque esbarrou em um Senado irredutível, já que a lei o favorece.

A avaliação entre governistas para o imbróglio é pessimista. O Palácio do Planalto avalia que, nesta guerra por poder, independente da solução escolhida pelos deputados e senadores, o presidente Lula será o maior prejudicado. Isso porque, o governo nunca foi um grande entusiasta do retorno das comissões mistas. O Executivo tem pressa para aprovar MPs que estão para caducar e o rito apoiado pelos senadores é mais burocrático e oferece menor agilidade. Mesmo assim, os petistas acreditavam em uma solução interna dos congressistas para a encruzilhada. O estopim para que o governo entrasse no circuito ocorreu na última semana, quando Lira ameaçou sabotar o andamento das medidas na Câmara. “O governo não queria colocar a digital dele nessa briga, mas sempre foi o maior interessado no assunto. Quando Lira subiu o tom, não teve jeito”, revela um aliado de Lula na Câmara.

O gesto de Lira foi interpretado entre aliados do governo como mais uma chamada pública para que Lula entrasse na contenda. Na sexta-feira, 24, o presidente da Câmara procurou o petista para uma conversa, oportunidade em que reiterou a ameaça de promover um “apagão” do governo na Câmara. O recado foi mais um dentre vários outros que o deputado tem feito ao governo, colocando o Executivo em uma encruzilhada.

PLANO B Padilha articula uma alternativa para o Planalto não sair chamuscado da guerra no Congresso (Crédito:Wallace Martins)

O jeito foi Lula articular para satisfazer o ímpeto de Lira, mas sem descontentar Rodrigo Pacheco, com quem tem estreitado as relações desde o início do governo. Das negociações, que contaram com a articulação do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), surgiram a possibilidade de se criar uma PEC para estabelecer um prazo para as comissões mistas e alterar o cálculo da composição dos colegiados. “Esta não é uma pauta exclusiva de Lira, é algo que envolve líderes de todos os partidos. Todos querem que a Câmara não perca suas prerrogativas”, assegura um aliado de Lira à ISTOÉ. Os liderados por Rodrigo Pacheco também não estão dispostos a ceder de Lira, que é conhecido no Senado como “o imperador do Congresso”. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou, após reunião com senadores, que há um entendimento de que as soluções propostas pela Câmara “desequilibram o bicameralismo”.

DENTRO DA LEI Como o rito constitucional o favorece, Pacheco não está disposto a ceder às pressões de Lira (Crédito:Ton Molina)

Cansados da teimosia de Lira e ciente de que o assunto está longe de ser pacificado, Lula está em busca de um plano B para contornar a crise e agora corre contra o tempo para evitar a caducidade de, ao menos, quatro das 13 medidas provisórias editadas pelo Planalto. Nas reuniões que teve com Lira e Pacheco, o presidente da República cobrou um compromisso de ambos para que avancem com a tramitação das MPs que regulamentam o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, a que trata da reestruturação da Esplanada dos Ministérios e a que promove a reoneração dos impostos federais sobre combustíveis. As demais, segundo Lula, devem ser transformadas em projetos de lei e, posteriormente, reenviadas ao Congresso, onde tramitarão em regime de urgência.

As ameaças de Lira

O desgaste na relação de Lula com o presidente da Câmara é sintomático. Não são isoladas as reclamações governistas com a falta de gestos concretos do alagoano ao Planalto. É também de conhecimento do governo de que esta não será a última dificuldade criada pelo deputado ao Executivo. Há um histórico de ameaças de Lira, públicas e veladas, ao petista. Basta lembrar que, recentemente, o deputado alertou sobre a fragilidade da base governista no Parlamento – cobrança que vem na iminência de votação de projetos cruciais para agenda econômica do Planalto, como a âncora fiscal e a Reforma Tributária. Os alertas do deputado não são meros “avisos amigos” a Lula. O presidente da Câmara quer mais benesses para aliados políticos, em especial do Centrão. Ele acredita que, se o governo deseja conseguir mais apoio na Câmara, terá que fazer mais concessões, e o petista está ciente disso. Não à toa, acena com a liberação de emendas e sinaliza com a negociação de cargos de segundo e terceiro escalão da Esplanada dos Ministérios e que despertam o interesse do Centrão. O alagoano tem dito, ainda, que não está disposto a barrar a CPI do MST, com potencial para desgastar o PT.