Criança perde roupa, e passar para frente o que não serve mais sempre foi comum entre amigos e familiares. Já a comercialização em massa das roupas infantis de segunda mão é recente no Brasil. Ainda que o preconceito exista, nos últimos anos ele deu lugar a noções como economia circular, moda cíclica e sustentabilidade. Um estudo da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas já aponta que 90% dos compradores de usados costumam ficar satisfeitos com a prática. A inspiração, por sua vez, veio de fora. Muito comuns na Europa e nos Estados Unidos, onde também são conhecidos como “feiras de garagem”, os brechós vêm aumentando em número no País. De acordo com o Sebrae, são mais de 118 mil negócios, com crescimento de 30,97% desde 2018, inclusive com franquias.

Luiz Augusto Pires de Campos, proprietário do Arena Baby Jardim Paulista, em São Paulo, ingressou nesse universo há quase quatro anos, quando ainda era novidade. Ele ressalta a receptividade do público: “O pessoal está mais consciente e interessado na economia de recursos. Essa é uma tônica que está acontecendo”. Ali, os preços vão de R$ 15 a R$ 45, e os bodies são os mais procurados entre as cerca de 7.000 peças que preenchem as araras. Os benefícios de comprar usados para as crianças, sobretudo de até 12 meses de idade, vão além dos econômicos.

EM EXPANSÃO A loja de Luiz oferece 7.000 peças e cresceu 25% no último ano e meio (Crédito:João Castellano)

A auxiliar administrativa Denise Marcelino frequenta o lugar desde o ano passado e tanto vende itens, como carrinho e banheira, quanto compra roupinhas para o bebê de um ano e meio. Mas não foi fácil romper com o tabu sobre os seminovos: “Não usei com a primeira filha, mas ganhava doações de conhecidos e primos”. Hoje, considera a sustentabilidade essencial. “Roupa não se joga no lixo”, diz, lembrando das montanhas de tecido acumuladas em lixões ao redor do mundo: “Temos que ser gentis com o planeta”.

Marilia Jacon Duarte, gerente do Peça Rara Jardins, também na capital paulista, percebe a maior preocupação dos clientes com a moda cíclica, sem deixar de prezar por um vestuário bonito e de qualidade: “Tem o lado do cliente, de achar coisas diferentes e de ter o produto de uma marca específica, e do fornecedor, de ficar feliz porque sabe que a pessoa vai dar valor para aquele item”. A afetividade conta para quem busca dar um destino ao que não tem mais função: “’Meus filhos foram tão felizes nesse carrinho’”, ela se recorda da frase que ouviu de um pai recentemente. Foi das prateleiras da mesma loja que saiu o macacão com que a filha da advogada e apresentadora de TV Gabriela Prioli deixou a maternidade, em dezembro.

Quase novo

Ambos os estabelecimentos recebem clientes do bairro e arredores, e realizam uma avaliação criteriosa sobre o que chega: as peças devem estar higienizadas e em boas condições de uso. Além de roupas e sapatos, diferentes objetos tomam cada canto dos espaços especializados.

Grávida de seis meses, a pediatra Nádia Soares é novata no mundo dos brechós infantis, mas sempre compactuou com as práticas de reutilizar e doar: “Acho interessante isso de ir e vir”. Jogos educativos chamam sua atenção: “Estou procurando brinquedos de alto desenvolvimento, que, depois de um período, as crianças já não usam mais e passam para a frente, para outras aproveitarem”. Acessórios vintage, como bonecos dos anos 1980, também fazem sucesso entre os pais. “‘Como é que não vou comprar para eles?’” é o que dizem os que querem compartilhar com os filhos experiências das suas próprias infâncias, segundo Duarte. Em oposição, as roupas e os calçados que mais saem têm modelagem atual.

“Roupa não se joga no lixo. O que não serve para um pode servir para o próximo. A gente tem que ser gentil com o planeta” Denise Marcelino, auxiliar administrativa (Crédito:João Castellano)

Apesar de as peças custarem em média R$ 60, o Peça Rara é conhecido por possuir itens de luxo, que ali podem custar um terço do valor original. Por meio de consignação, cerca de 3.700 fornecedores aprovam o valor, via aplicativo, antes do produto ser disponibilizado. Se não for vendido em seis meses, é doado para a organização social Gerando Falcões, da qual a loja é parceira.

No Arena Baby, o sistema de fornecimento é o de venda e, de acordo com o dono da unidade dos Jardins, o faturamento cresceu cerca de 25% nos últimos 18 meses. Segundo a assessoria da marca de franquias, que conta com cerca de 40 unidades no País, o faturamento foi de R$ 9 milhões, em 2022, com crescimento aproximado de 32%.