06/01/2023 - 9:30
Imagine passar semanas em um acampamento montado sobre neve e gelo. Essa tem sido a realidade de uma equipe de pesquisadores brasileiros que lidera a maior expedição nacional ao interior da Antártica. Desde o dia 9 de dezembro, um time de 12 profissionais deu início ao projeto Criosfera 2022, missão que instalará um laboratório científico a 2.000 quilômetros ao sul da estação Comandante Ferraz, base brasileira atingida por um incêndio em 2012 e reinaugurada em 2020. Ao todo, serão 40 dias vivendo em barracas. A previsão de retorno dos técnicos é para meados deste mês. Até esta semana, os exploradores enfrentaram nevasca de três dias e temperaturas de -26ºC. Os brasileiros celebraram o Natal e Ano Novo isolados em um dos lugares mais remotos da Terra.
O gélido programa liderado por Jefferson Cardia Simões, vice-pró-reitor de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é por um bem maior: o laboratório batizado de Criosfera 2, a ser inaugurado pela equipe, coletará perma-
nentemente dados do clima e da concentração de dióxido de carbono ( CO2), principal gás de efeito estufa. Ele vai operar sem pessoas no comando. Com o módulo, a intenção é investigar as consequências das mudanças do clima para a Antártica e a América do Sul. “Nossa meta é melhorar o entendimento da variabilidade climática do continente antártico e como ela afeta a formação de frentes frias, a geração de ciclones extratropicais e os eventos extremos do clima”, explica Simões, em nota. Para estudiosos, o território glacial é o regulador térmico do planeta, pois controla as circulações atmosféricas e oceânicas, influenciando o clima e as condições de vida.

Assim, entende-se que o estudo de danos ambientais é amplo. Por isso, foi preciso dividir os peritos em três grupos, o que significou três acampamentos distintos com funções específicas: uma formação ficou encarregada pela instalação do Criosfera 2, outra ganhou a incumbência de coletar gelo em profundidade para análises, e a terceira cuidou da manutenção do Criosfera 1 — módulo científico localizado 2,5 km ao sul de Comandante Ferraz desde 2012. Dos três times, apenas os responsáveis pelo Criosfera 2 ainda permanecem no continente glacial.
O engenheiro químico Filipe Gaudie Ley Lindau, 35 anos, integrou a expedição como pesquisador e fez parte da força-tarefa que recolheu amostras de gelo e neve na Ilha Pine, uma das mais importantes geleiras da região austral. “Fizemos uma perfuração de 98 metros de profundidade. São mais de 90 metros de um cilindro que tem oito centímetros de diâmetro e o qual chamamos de ‘testemunhos de gelo’”, detalha à ISTOÉ. A análise dos blocos tem esse nome por permitir a compreensão da história climática da Terra. “Com isso, voltamos em torno de 400 anos. Nosso objetivo é entender o clima na escala de tempo. Quando coletamos amostras profundas, acessamos o passado”, exemplifica. O estudo é importante para se interpretar, por exemplo, o ritmo de derretimento nas últimas duas décadas. Para a comunidade científica, quanto mais cedo se descobrir respostas e dados, melhor. Diante do aquecimento global, tal levantamento é imprescindível. “Observamos a Antártica há tempos e ela é sensível às mudanças. A dúvida que fica para nós é: quais consequências essas alterações aceleradas podem trazer para o clima no Brasil?”, aponta Lindau, que conversou com a reportagem diretamente de Punta Arenas, no Chile, recém-chegado da missão.

Vida no frio extremo
Em sua segunda viagem à região, o pesquisador brasileiro entrega que a expedição teve um diferencial: foi a primeira vez que passou o Natal em condições únicas. Ele deixou o local em 29 de dezembro, mas os demais permaneceram por lá no Ano Novo. Sobre os dias de acampamento, ele descreve a experiência como “relativamente boa”. “É verão, então tivemos máxima de -5ºC”, narra. “Estar lá é como estar no meio do oceano, só que tudo congelado. Um lugar que não tem referência de espaço, pois para todos os lados é um horizonte infinito. E algo curioso é que lá o dia tem 24 horas com sol. Não anoitece, por isso também não temos indicação de tempo.”
Apesar da rotina dificultada pelas temperaturas extremamente baixas, o engenheiro se diz honrado por integrar a delegação. “Agradeço ter recebido essa confiança e fazer um trabalho de responsabilidade. Muito foi investido para que o projeto pudesse acontecer”, destaca.
O Criosfera 2022 conta também com professores da Universidade Federal do Pará e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e faz parte do Programa Antártico Brasileiro. O financiamento parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, com recursos do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia por meio da Financiadora de Estudos e Projetos e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul.