À medida que o tempo avança, a pressão dos partidos aliados para que se construa uma frente cada vez mais ampla no Congresso faz aumentar o volume de pedidos por cargos nos ministérios, levando interlocutores do governo na Câmara a montarem uma espécie de barreira para impedir que os parlamentares que desejam aderir à base aliada avancem em postos considerados estratégicos pelos governistas. Duas áreas que entraram na mesa de negociação com os novos apoiadores de Lula integram os ministérios da Saúde e da Educação. A mobilização dos petistas é contrária a qualquer acordo que envolva esses dois setores considerados “intocáveis” pelos lulistas.

A resistência está desagradando os parlamentares que buscam uma conciliação emergencial no Congresso para tocar em frente medidas do pacote fiscal anunciadas pelo Ministério da Fazenda e evitar que núcleos da extrema direita se fortaleçam diante da instabilidade econômica no país. “É uma ala da esquerda que não entende o que estamos passando. O que estabiliza o Brasil é a própria estabilidade econômica. Só há um caminho agora e é a frente ampla. Temos que baixar a temperatura do Brasil”, frisou um parlamentar.

Entregar cargos de confiança na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) a partidos como o PP, Republicanos e PSD parece ser uma condição irreversível. Por isso, os esforços de petistas e integrantes do PSB estão concentrados em blindar a concessão da diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). “Estamos abrindo mão de coisas demais. A política é a arte do gesto e colocar a Educação num campo separado é inegociável”, observou uma deputada petista.

GUARDA-CHUVA Cabe à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, barrar indicações dos aliados para postos estratégicos em ministérios da Saúde e da Educação (Crédito:Adriano Machado)

A organização do grupo insatisfeito com o caminho das negociações se articula para que os líderes partidários, a partir de agora, ofereçam acordos relacionados somente à composição de cargos nas comissões pleiteadas por alas conservadoras. Mesmo assim, ainda não há consenso, pois os grupos não querem abrir mão de comissões consideradas estratégicas, como Meio Ambiente e Direitos Humanos. Enquanto isso, o FNDE segue sendo considerado um dos maiores objetos de desejo das legendas, principalmente pela capacidade de alcance regional do órgão. “Proporciona a construção de escolas, obras em várias regiões do Brasil, isso é muito favorável a todos”, comentou um parlamentar do PP.

O FNDE tem um orçamento de mais de R$ 40 bilhões e ganhou os holofotes em 2022 após denúncias de que o órgão estaria sendo utilizado em esquemas de corrupção envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro (Educação), que chegou a ser preso pela Polícia Federal depois de ser acusado pelo favorecimento de pastores na distribuição de verbas públicas. O passado da instituição é um dos motivos que levam parlamentares a uma defesa imutável pela blindagem ao ingresso de qualquer partido minimamente distante dos ideais petistas.

Integrantes de legendas do Centrão esperam “bom senso” do ministro da Educação, Camilo Santana, quando ele for apresentar as propostas de cargos no FNDE ao presidente Lula. Segundo eles, esse será um acordo fundamental para ampliar a margem de votos do governo na Câmara. Até entre os mais otimistas, a base do governo não alcança nem 40% do parlamento. A possível intermediação de Camilo para a conclusão desses acordos só mobilizou ainda mais a ala mais resistente do PT. “Camilo tem que entender o que é o PT e a história que acumulou. Temos cobranças internacionais e há uma grande quantidade de ONGs na Educação, por exemplo, que cometem muitas irregularidades. Nós estamos fora do nosso próprio campo”, frisou uma parlamentar. “Precisamos ter muito cuidado com isso. O FNDE é muito importante para virar uma moeda de troca sem uma correspondência programática”, argumentou outro deputado.

Outro argumento de quem é contra a abertura do MEC para os aliados é que esse será um caminho sem volta nas negociações, como a que está sendo observada na relação entre o governo e o União Brasil. Recentemente, o presidente da legenda, Luciano Bivar (PE), declarou desejar o comando da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em troca do apoio do partido ao governo. A declaração foi dada após a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmar que o União “não está fazendo a entrega do apoio pelos cargos que já tem no governo (três ministérios)”. “Governabilidade se dá no governo e no parlamento. Lira já tem um superpoder. Naquilo que não for crucial para o governo, não vamos mais ceder espaços. O FNDE é uma estrutura importante para nós”, reforçou um deputado, acrescentando fazer parte de um grupo que não busca brigas, mas sim “proteger a Educação”.

“Camilo tem que entender o que é o PT e a história que acumulou. Na Educação há uma grande quantidade de ONGs que cometem muitas irregularidades”, diz um deputado do PT

Até mesmo aliados de Lula que não estão participando dos acordos defendem uma discussão ampla que não se restrinja a ocupações de funções no governo. É o caso da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que afirmou estar distante das reuniões sobre a discussão de cargos, mas que acredita na unificação dos entendimentos. “É possível fazer uma frente ampla na política. Ou seja, não termos só a discussão por cargos e funções, mas termos um debate sobre política, o papel dos órgãos públicos, as funções do Estado, a redução dos juros e a garantia do desenvolvimento”, acrescentou a parlamentar.