28/04/2023 - 9:30
Se os americanos parecem conformados com uma nova disputa entre Joe Biden e Donald Trump pela Presidência em 5 de novembro de 2024, analistas consideram prematuro bater o martelo. O atual mandatário lançou sua pré-candidatura pelo Partido Democrata na terça-feira, 25, por meio de um vídeo no Twitter com foco evidente em mulheres negras e operários. Nele, defendeu a democracia contra radicalismos e, por extensão, liberdades individuais e benefícios sociais. Tem tempo — além de dispor da máquina do governo — para subir nas pesquisas à medida que a economia siga melhorando e também demonstrar que estará apto para enfrentar mais um mandato a ser iniciado aos 82 anos. Nem precisaria driblar rivais democratas nas primárias, porque seu partido não “produziu” um herdeiro à altura. Trump, ao contrário, deve guerrear dentro do próprio Partido Republicano, onde só é uma unanimidade para sua própria base raivosa e fiel.
Biden deixou claro: o risco que Trump e DeSantis representam à “alma americana” é sua motivação para tentar mais um mandato. Ainda que modestamente, como diz Clarissa Nascimento Forner, professora de Relações Internacionais da Universidade São Judas Tadeu, o atual presidente conseguiu avanços no controle da inflação e na geração de empregos, “pautas caras ao eleitorado”, e no campo externo está razoavelmente bem quanto a medidas adotadas em relação à guerra na Ucrânia. Mesmo com apenas 42,1% de aprovação e enfrentando a idade como maior fator de rejeição, Biden seria o único candidato com força para evitar o retorno de Trump, como bem ilustraram as eleições legislativas de meio de mandato, em novembro passado, segundo Clarisse, “porque as expectativas em relação à ‘onda vermelha’ não se concretizaram”. Assim, passam batido as pré-candidaturas de democratas como a escritora Marianne Williamson, chamada de guru de autoajuda, e Robert Kennedy Jr., que se valeu do sobrenome do tio John para perguntar no Twitter se deveria concorrer.
É o balaio republicano de pré-candidatos que se mostra indefinido, antes das prévias. Na mesma terça do lançamento do vídeo de Biden, Trump foi obrigado a comparecer a um tribunal federal, onde responderá à acusação de estupro da escritora E. Jean Carroll. Apenas mais um processo que terá de enfrentar, em paralelo ao cala-boca de US$ 160 mil pagos a uma atriz pornô — não com dinheiro próprio, mas de campanha. Indiciado por incitar a invasão de manifestantes no Capitólio em 6 de janeiro de 2021, para impedir a posse de Biden, Trump ainda segue sob investigação do FBI pelos documentos secretos que surrupiou da Casa Branca para guardar em sua mansão.
Ron DeSantis, governador da Flórida e seu espelho extremista mais jovem, parece aguardar o sangramento do antecessor para então se lançar como pré-candidato republicano (concorre com outra radical, Nikki Haley, que faz campanha mais “moderninha”). E, como o ex-presidente criou desiludidos com a “novidade” que representava na eleição de 2016, moderados podem votar no ex-vice Mike Pence (que se colocou frontalmente contra a invasão do Capitólio) para candidato republicano. De toda forma, como observa a professora Clarissa, o partido “parece enfrentar grande dificuldade em retomar suas bases mais moderadas e se regenerar da influência trumpista”.
Ferramenta quebrada
Mas 2024 não é 2016, nem 2020. À parte questões políticas, econômicas, sociais, criminais e mesmo etárias, Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, lembra de um fator que pode influir nas próximas eleições: a responsabilização por mentiras e incitamentos ilegais nas redes sociais, até agora uma das ferramentas mais eficientes da extrema-direita. “Já estamos vendo essa regulamentação na Europa. Mesmo por aqui a pressão popular e judicial só aumenta, como nos EUA”, diz.
O professor se refere ao caso da Dominion, empresa que produz urnas eletrônicas e alegou prejuízo pelas fake news da Fox, de que as urnas teriam sido manipuladas para impedir a vitória de Trump contra Biden em 2020. A rede de TV tomou um processo e foi condenada a pagar US$ 1,6 bilhão de multa. “A Fox perdeu audiência e credibilidade. E ainda teve de negociar para pagar US$ 800 milhões, metade do estipulado.” A pressão foi tão grande que mandou embora o âncora Tucker Carlson, o mais importante porta-voz da extrema-direita americana na mídia. “Foi um tombo e tanto”, diz Goulart Menezes. “Agora provavelmente não teremos mais campanhas com políticos falando tantas barbaridades.”
