09/12/2022 - 9:30
A baguete, aquele pão fino e comprido que os franceses consomem religiosamente e que os brasileiros comem, mas nem tanto, agora é um Patrimônio Cultural Imaterial. Está incluída na lista atualizada anualmente pela Unesco, o órgão da ONU para tratar questões culturais.
A escolha contempla itens que não são coisas perenes, como a Grande Muralha da China ou as pirâmides do Egito. Abrange desde cenários que são determinantes na identidade cultural de um lugar, como a imensa quantidade de cafeterias em Viena, ou até culturas que atravessam fronteiras, como a Dieta Mediterrânea, conjunto de hábitos alimentares de uma dezena de países da região com bons resultados contra doenças de coração e outros males.
Lista tem 36 itens gastronômicos
Além de pratos típicos, Unesco descata a obra culinária de alguns países, como o Japão, e atividades registradas em certas regiões, como o circuito de cafeterias de Viena
A baguete não é o primeiro alimento a entrar na relação, que já traz a pizza napolitana, a cerveja belga e a imensa variedade de pães alemães. Mas o que significa pertencer a essa lista?

Na prática, os produtos e as atividades constantes na lista da Unesco passam a ser merecedores de ações que se prestem a conservar essas tradições culturais, ou até mesmo reverter cenários de ameaça à sua continuidade. Projetos da ONU e de outras entidades já foram decisivos para preservação de festas tradicionais na Malásia ou na produção de uma espécie peculiar de charuto de folha de uva no Azerbaijão. A baguete não corre risco de extinção.

Diariamente, 16 milhões de baguetes são consumidas na França. O hábito nasceu de uma imposição de lei em tempos difíceis, como explica Débora Borba de Souza, professora de Panificação no Senac. “Em 15 de novembro de 1793, durante a Revolução Francesa, um decreto orientou os franceses a comer pão em todas as refeições, não importando a classe social.
Depois, em 1856, o rei Napoleão III instituiu esse tipo de pão como patrimônio nacional.” A origem do formato é controversa. A maior corrente de historiadores atribui aos padeiros do Exército francês do século XIX a criação da forma longa e fina, mais fácil para que o alimento fosse carregado pelos soldados de Napoleão, diante do incômodo de levarem nas mochilas os pães grandes e arredondados consumidos nas casas francesas. Mas há quem defenda afigura de um austríaco, August Zang, como o criador da primeira baguete.
Segundo a coordenadora-chefe da Unesco, Audrey Azoulay, “a baguete celebra o modo de vida francês, é um ritual diário e um elemento de estruturação da refeição, carregando noções sociais de compartilhamento e convívio”. Débora Souza ressalta que trata-se de uma alimento “bem democrático”, pois leva apenas farinha, água, fermento e sal.
Comes e bebes
Cerveja belga
São 1.500 tipos, com fermantação e ingredientes diferentes
Pão alemão
Mais de 300 tipos registrados,
a maioria integrais e escuros
Café turco
É torrado com pedaços de açúcar e servido sem ser coado
O padeiro e apresentador de TV Olivier Anquier, francês radicado no Brasil, explica que na França a baguete “tem intimidade com todas as refeições”. Segundo ele, “no café, no almoço e no jantar, em qualquer lugar do país, você tem um pão ao lado para uma mordidinha.”
“A baguete celebra o modo de vida francês, em
um ritual diário ligado à estrutua social do país”
UNESCO, no anúncio oficial do filão fino como patrimônio da humanidade
Os itens listados pela Unesco são fontes de grandes aulas de história, inclusive aqueles relacionados à alimentação. Entre relatos de até 7.000 anos que apontam o consumo de um pão chato com outros alimentos em cima, esse formato evoluiu até a consolidação da pizza napolitana do século 16, disco de massa com queijo derretido e tomate. O prato conhecido no Brasil como cuscuz marroquino, por exemplo, é definido pela Unesco com origem compartilhada por Marrocos, Mauritânia, Argélia e Tunísia.
Prato brasileiro para o mundo

No Brasil, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, faz curadoria de uma lista oficial de bens imateriais do País. Entre alimentos, aparecem o acarejé e o bolo de rolo. A relação do Iphan inclui os seis itens culturais brasileiros que já conquistaram a aprovação da Unesco em âmbito mundial: a festa de Bumba Meu Boi, a Roda de Capoeira, a pintura corporal dos Wajãpi, o Frevo, o Círio de Nazaré e o Samba de Roda do Recôncavo Baiano.