10/03/2023 - 9:30
Em julho de 2021, um trecho de praia de Jaboatão dos Guararapes (PE) foi interditado por 15 dias, após ataques de tubarão. Quase dois anos depois, no mesmo lugar, a história se repete: um garoto de 14 anos teve a perna amputada após mordida e uma menina de 15 perdeu parte do braço. “Muitas pessoas pensam que, na região, não vão poder sequer pisar a água. Em alguns trechos não poderão mesmo, como o da Igrejinha de Piedade”, alerta Paulo Oliveira, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

As investidas estão longe das cinematográficas e, apesar de estarem entre as espécies mais agressivas, os tubarões tigre e cabeça-chata vêm à orla em decorrência de outros fatores: degradação ambiental de seu habitat e a existência de um canal profundo que dá acesso às praias. Enquanto o primeiro tem causa humana, o segundo diz respeito à topografia e não pode ser evitado: “Zonas de canal em áreas de mar aberto são normalmente de alta periculosidade, onde banhistas e surfistas devem ter grande cautela”, acrescenta a bióloga marinha Danielle Viana.
Desde a década de 1990 foram 77 vítimas na Região Metropolitana de Recife (PE), com 26 óbitos. O cenário se formou dez anos antes, quando a construção do Porto de Suape aterrou manguezais e estuários de desova e alimentação. As ocorrências passaram a integrar a realidade da população e um trabalho massivo de educação ambiental fez com que os casos caíssem até 2015, quando foi descontinuado. “Só que a educação ambiental tem de ser constante, porque as pessoas chegam e vão, nascem e morrem”, pontua o engenheiro de pesca. O controle de atividades que afetam o ecossistema é essencial. Oliveira conta que, no passado, a proibição de matadouros e da pesca de rede foi crucial para o recuo das tragédias: “É preciso retomar o monitoramento para ver se, hoje, existem outros fatores”. A bióloga, oceanógrafa e veterinária Renata Gardelin reforça que sim: “Há o porto e construções de moradias ilegais. Temos também o problema do que é enviado ao mar, que não é só esgoto. Muitas indústrias acabam jogando química ali”. Além da pesca predatória não fiscalizada, que diminui a oferta de comida para os tubarões, o lixo jogado nos mares contribui para a morte das presas: “Os tubarões são agredidos por toda a poluição”.
“Não é culpa do estado, do município, da pessoa ou do tubarão. Temos de trabalhar juntos para uma solução plausível” Paulo Oliveira, engenheiro de pesca
Habitat alterado
“Os tubarões querem se alimentar e sobreviver”, fala Renata. Oliveira esclarece que o ataque está muitas vezes ligado a um comportamento de defesa ou de briga por território: O ser humano não faz parte da dieta do tubarão e o animal não é o “vilão da história”, como cita Janaína Bumbeer, doutora em Ciências Marinhas, gerente da Fundação Grupo Boticário e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano: “Ele é um predador de topo, mas está sobrevivendo em um local que foi modificado. Em um ambiente equilibrado, isso não aconteceria”.
Mas por que, mesmo com placas e bandeiras, banhistas ainda desrespeitam a sinalização? E, pior, por que alguns pais deixam seus filhos se arriscarem em áreas perigosas? Da mesma maneira que atravessam fora da faixa de pedestre ou se negam a tomar vacinas, algumas pessoas insistem em atacar a cidadania. Em um surto de irresponsabilidade, um homem foi tirado à força do mesmo mar em que horas mais cedo a adolescente havia se machucado. Em fevereiro, um surfista foi mordido na Praia dos Milagres, em Olinda, onde a prática está proibida. Do mesmo modo que a causa do cenário não é uma só, são diversos os atores envolvidos na sua mitigação: “Não é culpa do estado, do município, da pessoa ou do tubarão. Temos de trabalhar juntos para uma solução plausível, sem a eliminação dos tubarões nem a proibição completa do banho de mar. Só dessa forma a gente vai aprender a conviver com isso”, diz o pesquisador Oliveira.
