Em julho de 2021, um trecho de praia de Jaboatão dos Guararapes (PE) foi interditado por 15 dias, após ataques de tubarão. Quase dois anos depois, no mesmo lugar, a história se repete: um garoto de 14 anos teve a perna amputada após mordida e uma menina de 15 perdeu parte do braço. “Muitas pessoas pensam que, na região, não vão poder sequer pisar a água. Em alguns trechos não poderão mesmo, como o da Igrejinha de Piedade”, alerta Paulo Oliveira, professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Pesca da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

VÍTIMA RECENTE Apesar das sinalizações, banho de mar vira tragédia: menina teve ferimentos e parte do braço esquerdo amputado (Crédito:Divulgação)

As investidas estão longe das cinematográficas e, apesar de estarem entre as espécies mais agressivas, os tubarões tigre e cabeça-chata vêm à orla em decorrência de outros fatores: degradação ambiental de seu habitat e a existência de um canal profundo que dá acesso às praias. Enquanto o primeiro tem causa humana, o segundo diz respeito à topografia e não pode ser evitado: “Zonas de canal em áreas de mar aberto são normalmente de alta periculosidade, onde banhistas e surfistas devem ter grande cautela”, acrescenta a bióloga marinha Danielle Viana.

Desde a década de 1990 foram 77 vítimas na Região Metropolitana de Recife (PE), com 26 óbitos. O cenário se formou dez anos antes, quando a construção do Porto de Suape aterrou manguezais e estuários de desova e alimentação. As ocorrências passaram a integrar a realidade da população e um trabalho massivo de educação ambiental fez com que os casos caíssem até 2015, quando foi descontinuado. “Só que a educação ambiental tem de ser constante, porque as pessoas chegam e vão, nascem e morrem”, pontua o engenheiro de pesca. O controle de atividades que afetam o ecossistema é essencial. Oliveira conta que, no passado, a proibição de matadouros e da pesca de rede foi crucial para o recuo das tragédias: “É preciso retomar o monitoramento para ver se, hoje, existem outros fatores”. A bióloga, oceanógrafa e veterinária Renata Gardelin reforça que sim: “Há o porto e construções de moradias ilegais. Temos também o problema do que é enviado ao mar, que não é só esgoto. Muitas indústrias acabam jogando química ali”. Além da pesca predatória não fiscalizada, que diminui a oferta de comida para os tubarões, o lixo jogado nos mares contribui para a morte das presas: “Os tubarões são agredidos por toda a poluição”.

“Não é culpa do estado, do município, da pessoa ou do tubarão. Temos de trabalhar juntos para uma solução plausível” Paulo Oliveira, engenheiro de pesca

Habitat alterado

“Os tubarões querem se alimentar e sobreviver”, fala Renata. Oliveira esclarece que o ataque está muitas vezes ligado a um comportamento de defesa ou de briga por território: O ser humano não faz parte da dieta do tubarão e o animal não é o “vilão da história”, como cita Janaína Bumbeer, doutora em Ciências Marinhas, gerente da Fundação Grupo Boticário e integrante da Liga das Mulheres pelo Oceano: “Ele é um predador de topo, mas está sobrevivendo em um local que foi modificado. Em um ambiente equilibrado, isso não aconteceria”.

Mas por que, mesmo com placas e bandeiras, banhistas ainda desrespeitam a sinalização? E, pior, por que alguns pais deixam seus filhos se arriscarem em áreas perigosas? Da mesma maneira que atravessam fora da faixa de pedestre ou se negam a tomar vacinas, algumas pessoas insistem em atacar a cidadania. Em um surto de irresponsabilidade, um homem foi tirado à força do mesmo mar em que horas mais cedo a adolescente havia se machucado. Em fevereiro, um surfista foi mordido na Praia dos Milagres, em Olinda, onde a prática está proibida. Do mesmo modo que a causa do cenário não é uma só, são diversos os atores envolvidos na sua mitigação: “Não é culpa do estado, do município, da pessoa ou do tubarão. Temos de trabalhar juntos para uma solução plausível, sem a eliminação dos tubarões nem a proibição completa do banho de mar. Só dessa forma a gente vai aprender a conviver com isso”, diz o pesquisador Oliveira.

PRECAUÇÃO Policiais civis observam a praia e guarda-vidas dá instruções e conversa com banhista: a importância de aprender a separar do lazer o risco de morte (Crédito: João Carlos Mazella)