A vitória da primeira-ministra britânica Theresa May nas eleições gerais realizadas na semana passada na Inglaterra é um daqueles clássicos casos na política em que o candidato leva, mas não ganha. O partido do qual é líder, o Conservador, perdeu a maioria, ficando com 318 das 650 cadeiras do parlamento. Perdeu 13 dos lugares que tinha. O rival, o Partido Trabalhista, comandado por Jeremy Corbyn, ganhou 261 assentos. E o Partido Liberal Democrata, de centro-esquerda, conquistou 13 lugares. Junto com outras representações menores, tornou-se o curinga e deverá ser cortejado pelos conservadores em busca de uma base mais ampla de apoio.

O resultado foi a maior derrota na carreira política de May. Ela convocou o pleito apenas nove meses depois de assumir o posto, adiantando-o em três anos, porque acreditava que a sustentação das urnas lhe garantiria a força para conduzir, a seu modo, os dois dos mais espinhosos desafios do país nesse momento: sua saída da União Europeia, o Brexit, e melhorar a defesa interna contra o terrorismo. Deu tudo errado para ela. Por isso, ao final das eleições, havia três perguntas básicas na Grã-Bretanha: até quando May resistirá – horas após o pleito, o trabalhista Corbyn pediu sua renúncia -, se os britânicos deixarão o bloco europeu com mais ou menos traumas e de que forma a Inglaterra – Londres particularmente – aguentará a pressão de ter se tornado um dos principais alvos do extremismo político.

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Em 73 dias, foram três ataques. O primeiro aconteceu em março, deixando quatro mortos e 40 feridos. Nascido no Reino Unido, Khalid Masood jogou a van que dirigia contra pedestres que passavam na Ponte Westminster, um dos principais pontos turísticos da capital inglesa. Depois, ainda conseguiu sair do carro e atacar quatro policiais. O segundo ocorreu no dia 22 de maio, em Manchester, do lado de fora do estádio onde a cantora Ariana Grande terminava uma apresentação. Natural de Manchester, Salman Abedi foi o homem-bomba. Ao todo, morreram 22 pessoas e 59 ficaram feridas. No sábado 3, o último deles: novamente, um caminhão dirigido por terroristas atropelou e matou sete pedestres na London Bridge e, em seguida, outro grupo atacou a facadas pessoas que estavam no Borough Market, ponto muito procurado também pelos londrinos e por turistas.

Antes da série de atentados deste ano, o último grande ataque em território britânico foi em 2005, quando homens-bomba atacaram o sistema público de transporte londrino, matando 52 pessoas. Os seguidos atentados recentes, porém, não significam que a Inglaterra tenha se tornado de novo alvo do terrorismo somente agora. Ao longo dos anos, os serviços de inteligência ingleses impediram a ocorrência de centenas de ataques, mas a combinação de várias circunstâncias está sendo determinante para que o Reino Unido figure hoje como foco dos terroristas.

A Inglaterra enfrenta dificuldades para monitorar a movimentação de suspeitos. Elas começam na resistência de serviços como o Whatsapp e o Facebook em fornecer informações sobre a comunicação de usuários. Além disso, há um enorme número de jovens seguidores do Estado Islâmico e de outros grupos extremistas que não conseguem sair do país rumo a lugares como o Iraque ou a Síria por causa dos obstáculos às viagens para esses locais. A maioria nascida em solo britânico, eles acabam planejando atos na própria Inglaterra. Todos os autores dos últimos atentados tinham esse perfil.

O Reino Unido também está vulnerável graças à mudança no perfil dos ataques realizados principalmente em países europeus. A modalidade que usa carros atirados contra pedestres ou os chamados lobos solitários – homens armados que chamam pouquíssima atenção – facilita a execução dos atos. Por razões como essas, Londres especialmente não deve sair tão cedo da mira terrorista. “O que estamos vendo é apenas a ponta do iceberg”, disse Shiraz Maher, do King´s College London, estudioso do comportamento de grupos radicais islâmicos.

O Reino Unido terá uma dura negociação com Alemanha e França sobre os termos de sua saída do bloco europeu

Acusada pelo rival trabalhista Jeremy Corbyn de ter reduzido a verba para a polícia e cobrada pela população, Theresa May vê-se acuada. Na semana passada, três dias após o último atentado e a apenas dois das eleições, a primeira-ministra anunciou que mudará leis de direitos humanos se elas dificultarem o aumento da vigilância de suspeitos. “Quero fazer mais para restringir a liberdade e a movimentação de suspeitos de terrorismo quando temos evidências suficientes para saber que eles representam uma ameaça”, disse. “Se nossas leis de direitos humanos nos impedirem de fazê-lo, mudaremos as leis.” May também quer restringir o número de concessões de asilo a refugiados de países em guerra.

Sem maioria no Parlamento, porém, será mais difícil para que ela faça avançar propostas desse tipo. Assim como deverá enfrentar um caminho mais duro na condução da retirada da Inglaterra da União Europeia. May defende o que chama de saída dura, que significa tirar o país inclusive do mercado único europeu. O Partido Trabalhista quer algo mais suave, permitindo que os ingleses permaneçam nele. Há ainda o desafio de negociar essa transição com a chanceler Angela Merkel, da Alemanha, e com o presidente francês Emmanuel Macron. Os dois são defensores de uma Europa unida, globalizada. Exatamente o contrário do que determinou o Brexit. E já adiantaram que não facilitarão em nada a vida da Inglaterra.

POR QUE A INGLATERRA?
4 razões para que o país tenha se tornado alvo frequente de ataques

– Medidas adotadas recentemente dificultaram a saída do país de extremistas que moram lá em direção à Síria, Turquia e Iraque
– O Estado Islâmico vê-se mais acuado em locais onde até há pouco tempo tinha maior facilidade para atacar
– O serviço de inteligência britânico enfrenta muita resistência por parte de serviços como o Whatsapp
e o Facebook para permitir que monitorem comunicações de usuários
– O anúncio do Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) e das eleições gerais deu ainda mais visibilidade ao país

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Reprodução

O terror de volta a Paris

“Isto é pela Síria”. O grito foi dado pelo argelino Farid Ikken segundos antes de esfaquear um policial em frente à Catedral de Notre Dame, no coração de Paris. O ataque aconteceu na terça-feira 6 e levou novamente o medo à capital francesa. No momento da agressão, cerca de 900 pessoas visitavam a igreja, obra-prima gótica e um dos pontos turísticos mais procurados do mundo – 13 milhões de pessoas passam por lá a cada ano. Como medida de segurança, muitos ficaram confinados dentro da igreja e a foto de todos de braços erguidos, a pedido da polícia, rodou o planeta como mais um símbolo do terror. O policial atacado não corre risco de vida. Ikken também ficou ferido. Ele está na França desde 2014. A polícia encontrou na sua casa um vídeo no qual aparece jurando fidelidade ao Estado Islâmico.