19/08/2022 - 9:30
Embora seja investigado por assédio sexual contra policiais penais homens, o administrador de empresas Dantas Campostrini Vieira segue fazendo carreira como diretor de presídios no Espírito Santo. Está no sistema há doze anos, e desde maio de 2021 comanda a Penitenciária de Segurança Média 2 (PSME2), em Viana – a unidade, com capacidade para 296 custodiados, é exclusiva e de referência para pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ (lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo). A administração do sistema é responsabilidade do estado, governado por Renato Casagrande (PSB).
Campostrini assumiu a direção da PSME2, assim que o antigo presídio foi reinaugurado para essa finalidade. Na ocasião, posou para fotos ao lado do titular da Secretaria de Justiça (Sejus), Marcello Paiva de Mello, defensor público de carreira. Segundo ele, a unidade prisional foi pensada para “garantir que não haja violações de direitos ao grupo LGBTQIA+”. Três meses antes, porém, em fevereiro de 2021, a corregedoria da Sejus havia tomado o depoimento de cinco policiais penais que acusaram Campostrini de assédio sexual — os crimes teriam ocorrido quando o diretor estava à frente do Centro de Detenção Provisória (CDP) de Aracruz, sua lotação anterior.

O resultado prático da sindicância até agora: um dos agentes assediados foi demitido, e os demais foram transferidos para outras unidades prisionais do estado. Campostrini não só permaneceu como diretor penitenciário — mas, na definição de uma das vítimas, “caiu pra cima”, já que foi alçado ao comando do presídio LGBTQIA+. Os relatos dos abusos no antigo emprego de Campostrini no CDP de Aracruz também chegaram ao Ministério Público capixaba, que em abril de 2021 instaurou procedimento pra apurar “supostas práticas de crimes sexuais contra detento e servidores”.

A reportagem ouviu duas dessas vítimas, sob a condição de que suas identidades fossem mantidas em sigilo. Ambos apontam para um padrão nas abordagens: o diretor escolhia agentes não concursados — que podem ser, portanto, sumariamente demitidos. E designava seus alvos para dirigir o carro a que tem direito por causa do cargo de direção. Os assédios ocorreram dentro do veículo — o diretor sentava sempre no banco do carona. Os dois também mencionaram que era comum ouvirem dele a frase “eu tenho o poder da caneta”.
O policial penal 1 tem 45 anos, é casado e pai de dois filhos. “Eu era novo na unidade, e quando fui chamado pra dirigir para ele, achei até que era uma missão honrosa, dirigir para o diretor”, diz. “O assédio começou devagar. Primeiro ele dizia que eu tinha cara de ‘pegador’. E eu saindo pela tangente, pensando ‘o cara é diretor’. Até que em uma das viagens ele me disse ‘você tem cara de quem tem p… grande’, e me mostrou na tela do celular a foto de um pênis, dizendo ‘deve ser mais ou menos assim’. E eu tentando sair daquela situação. Ele só me deixou em paz depois que se interessou por outro policial penal”. O policial penal 2 tem 44 anos e se declara homossexual. “O diretor começou a me chamar para dirigir para ele, e já na primeira viagem falou ‘fiquei sabendo que você curte, que gosta do negócio, eu também gosto’ e tal. Disse que ninguém ia saber. E eu me esquivando, com medo de retaliação, de ser transferido, demitido”, conta. “Até que um dia ele falou ‘poxa, você não vai nem deixar eu dar uma pegada?’ Daí ele veio com a mão na minha perna para tentar pegar meu pênis. Eu bati na mão dele e perguntei ‘você tá doido, cara?’”
As suspeitas de crimes sexuais acompanham Campostrini também no presídio LGBTQIA+. O Ministério Público pediu a instauração de inquérito policial para apurar “violência contra pessoa em restrição de liberdade” naquela unidade. Alguns detentos já foram ouvidos, e há relatos de que o diretor oferecia benefícios em troca de relações sexuais. A situação é no mínimo inusitada: os presos saem para depor, e depois têm que retornar para a mesma unidade prisional, comandada pelo alegado assediador – resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determina que pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ devem ficar em ala prisional ou unidade exclusiva para essa população, e há apenas um presídio especializado no estado. “A única coisa que eu quero é justiça”, diz um dos agentes penais assediados. “Não tenho paz.”