Se há um gênero que podemos chamar de “brasileiro” na literatura é a crônica. O formato existe em outros países, mais notadamente nos EUA e na França, mas por aqui ele ganhou influência cultural tão grande que não é exagero dizer que foi elevado à categoria de arte. Isso se deve, em especial, a um grupo de autores capitaneados pelo mestre Rubem Braga, líder de uma geração que também se deu bem quando se aventurou por outros estilos literários considerados mais nobres, como o romance ou o conto.

“Os Sabiás da Crônica”, coletânea brilhantemente organizada por Augusto Massi – poeta, crítico e professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) – reúne, além de Braga, cinco nomes da geração de ouro dos cronistas brasileiros: Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, e José Carlos Oliveira. Segundo Massi, trata-se do quarto ciclo de cronistas do País. O primeiro, de 1852 a 1897, apresentou os fundadores do gênero, José de Alencar e Machado de Assis. O segundo, de 1897 a 1922, com Olavo Bilac, João do Rio e Lima Barreto, correspondeu à Belle Époque. O terceiro trouxe os modernistas Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Drummond e Cecília Meirelea, entre 1922 e 1945.

“Buscamos a crônica nos momentos em que precisamos recuperar a alegria. É preciso buscar brechas para respirar” Augusto Massi, organizador

Esse novo volume é dedicado ao quarto ciclo, “os cariocas”, denominação relacionada muito mais a um estilo de vida que a uma origem geográfica. Apenas Vinicius e Sérgio Porto nasceram no Rio: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos eram mineiros, Rubem Braga e Carlinhos Oliveira, capixabas. O projeto nasceu de uma série de fotos tiradas por Paulo Garcez na cobertura de Rubem Braga no Rio de Janeiro, em pleno verão de 1967, no auge da Bossa Nova. Nessa ocasião, os seis escritores posaram juntos para a imagem de divulgação da recém-fundada Sabiá, empreendimento derivado da Editora do Autor que, por sua vez, nascera da Editora Alvorada. Quem explica o nome, de forma suscinta, é Fernando Sabino: “Rubem Braga queria Sabiá, e Sabiá ficou sendo”. A sessão de fotos foi assistida por um jovem que se tornaria um dos principais compositores, cantores e escritores do País: Chico Buarque. Ele estava no apartamento, pois havia sido convidado para o encontro em virtude do lançamento de sua peça “Roda Viva”, pela mesma Sabiá.

Para Massi, “o destino da crônica sempre esteve vinculado às transformações do jornalismo”. Antes dos anos 1950, a publicação desses textos leves e divertidos era feita exclusivamente nos jornais. Pouco depois, com a popularização das revistas, os cronistas passaram a ter uma função ampliada, como admirados comentaristas da realidade. Importante lembrar que veículos como “O Cruzeiro” e “Manchete”, revistas para a qual os Sabiás colaboravam, alcançavam tiragens expressivas que chegavam a um milhão de exemplares por edição. Como o acesso à TV ainda era bastante restrito no País, consumiam-se crônicas eram consumidas como relatos sofisticados de cultura de massa, integrando erudição, análises sobre o cotidiano e bom humor. Os noventa textos do livro, quinze de cada cronista, seguem uma organização cronológica, mas também temática. Começam sempre com reflexões dos autores sobre o ato de escrever, e terminam com “saideiras” e brindes literários aos companheiros que vêm na sequência.

Promessa de verão

A editora Sabiá durou doze anos, mas é curioso constatar como o conteúdo desse livro segue atual, mesmo considerando que se passaram mais de meio século desde então. Essa característica se deve, para Massi, às semelhanças entre o período em que os textos foram publicados – pré-ditadura – e o momento político do Brasil de hoje. “Buscamos a crônica nos momentos em que precisamos recuperar a alegria, ter um refresco. Esses autores nos ensinam que é preciso buscar brechas para respirar. Em meio a uma pandemia, ouvir o canto desses sabiás é como uma promessa de verão.”