O teor da ação do PL que pretendia anular os votos de 279 mil urnas, e melar o resultado da eleição de Lula, parecia o enredo de um conto de história infantil, mas, ao analisar o pedido, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) classificou a peça de “litigância de má-fé”, dando-lhe ares de um verdadeiro conto do vigário. Além de rejeitar o documento pela inexistência absoluta de provas que comprovassem as irregularidades apontadas no processo eleitoral, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, multou em R$ 23 milhões os partidos que formaram a coligação responsável pela sustentação da candidatura de Bolsonaro (PL, PP e Republicanos) e bloqueou os fundos partidários dessas siglas até que paguem o valor da sanção judicial. Os fundos, porém, são mantidos com dinheiro público, o que significa dizer que a punição acabará sendo arcada pelos impostos pagos pelos cidadãos.

O magistrado incluiu ainda o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, nas investigações do STF sobre as milícias digitais, o que pode lhe render mais uma condenação em sua extensa carreira criminosa. Mostrando que jogava duro contra os sabotadores da democracia, o ministro acusou o partido de Valdemar de fazer parte da estratégia golpista de Bolsonaro de questionar o pleito. “Houve total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos”, escreveu o presidente do TSE ao rejeitar a ação. O ministro entendeu que os argumentos do partido de Valdemar eram “absolutamente falsos”, já que a eficácia das urnas eletrônicas foi comprovada reiteradas vezes. A patifaria do PL foi tanta que a legenda só questionou o resultado do segundo turno, embora na primeira rodada da votação tenham sido usadas as mesmas urnas, com as quais o PL elegeu a maior bancada na Câmara ((99 deputados) e no Senado (14 senadores), o que tornará Valdemar dono de um fundo partidário de R$ 1 bilhão. O presidente do obscuro Instituto Voto Legal (IVL), Carlos Rocha, que fez a análise das supostas falhas nas urnas, também foi arrolado por Moraes no inquérito das milícias digitais.

Mas Valdemar terá ainda que responder por sua atitude irresponsável de acusar sem provas a Justiça Eleitoral, apenas com o propósito de sustentar a tese persecutória do capitão. Moraes determinou a instauração de procedimento administrativo sobre “eventual desvio de finalidade na utilização da estrutura partidária, inclusive com o uso do Fundo Partidário, em especial no que se refere às condutas de Valdemar da Costa Neto e Carlos Rocha, autor do estudo do Instituto Voto Legal”. O levantamento feito por essa entidade, sem nenhuma base técnica consistente, alegou que a identificação única nos arquivos de LOG das 279 mil urnas do modelo antigo não teria ocorrido nas outras 193 mil unidades do modelo mais recente, de 2020, que corresponderam a 40,8% do total utilizado nas eleições. Nessas urnas mais novas, Bolsonaro teve, segundo essa tese furada, 51,05% dos votos, contra 48,95% de Lula. A ação diz que esses são os “os únicos votos que podem ser idoneamente reconhecidos como válidos, porquanto auditáveis e fiscalizáveis”. A ação insinuou que só esses votos seriam válidos, o que daria, portanto, a vitória a Bolsonaro. O PL não conseguiu comprovar o que diferenciou as urnas usadas em cada um dos dois turnos e, isso sim, caracterizou uma fraude processual.

SABOTADORES O TSE considerou como “golpista” a ação patrocinada por Valdemar (primeiro à esq.) para favorecer Bolsonaro (Crédito:Pedro Ladeira)

Longa ficha corrida

Figura conhecida do cenário político, o presidente do PL frequenta as barras dos tribunais há anos. Em 2005, foi denunciado por corrupção no mensalão do PT e forçado a renunciar ao mandato de deputado federal. Em 2006 e 2010, elegeu-se deputado novamente, mas como em 2012 foi condenado pelo STF a sete anos de cadeia por causa do processo do mensalão, voltou a renunciar ao mandato para não ser cassado. Depois de dois anos preso, foi anistiado pelo STF e voltou aos bastidores da política. Mas as investigações da Operação Porto Seguro, em 2013, o envolveram novamente em denúncias sobre irregularidades cometidas junto à agências reguladoras do governo federal. Em 2015, o empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, investigado na Operação Lava Jato, afirmou, em sua delação premiada, que deu dinheiro para as campanhas de Valdemar, dos quais R$ 200 mil “por fora” e outros R$ 300 mil em doações oficiais. Segundo o empreiteiro, as propinas eram pagas para o político do PL “manter as portas abertas do governo do PT”, já que ele comandava as ações do Ministério dos Transportes, onde a UTC tinha interesses comerciais. Por esse prontuário, percebe-se que Valdemar tem grande dificuldade de se distanciar de confusões na Justiça, onde vive encalacrado. É possível que a história se repita agora com esta falsa denúncia contra o TSE.