02/09/2022 - 9:30
Formado por quatro jovens indígenas das aldeias Jaguapiru e Bororó, em Mato Grosso do Sul, o grupo de rap Brô Mc’s se prepara para o maior desafio de sua carreira: fazer um show no Rock in Rio 2022, um dos maiores festivais de música do planeta. No evento, que acontece entre os dias 2 e 11 de setembro, no Rio de Janeiro, Ch, Bruno Vn, Tio Creb e Kelvin Mbaretê, que usam pseudônimos por medo de represálias, fazem parte da primeira atração indígena a participar do evento desde que ele foi criado, em 1985. Será o maior Rock in Rio de todos os tempos – e o recordista em termos de diversidade. Ao todo, serão 250 shows, 670 artistas e mais de 500 horas de entretenimento.

Além dos aguardados shows internacionais, como Iron Maiden, Justin Bieber, Dua Lipa e Guns ‘N’ Roses, há bastante expectativa para os artistas que fogem do padrão. Entre elas estão as drags Gloria Groove e Lia Clark, as cantoras transexuais Majur, Liniker e Azula, e a DJ paranaense Valentina Luz, para citar apenas alguns exemplos da comunidade LGBTQIA+. Até o heavy metal, gênero dominado por bandas com integrantes brancos, terá como um dos destaques os mineiros da banda Black Pantera, formada apenas por músicos negros.

Para Kelvin Mbaretê, do Brô MC’s, o rap é uma posição política, independente de ser feito por indígenas: “O estilo vêm das periferias, é do povo negro que fala de suas vivências nas comunidades. Não há muita diferença em relação ao que acontece com o nosso povo. É uma oportunidade de escrevermos algo sobre a nossa realidade”. O Brô Mc’s, que canta em sua língua nativa, o Guarani, usa a música para denunciar os problemas na região onde vivem, em meio à pressão exercida pelo agronegócio. Tio Creb, outro integrante do grupo, explica que cantar no Rock in Rio vai representar as diversas etnias e comunidades dos povos originários. “Não vamos estar sozinhos em cima do palco. O espírito do povo indígena estará lá com o Brô Mc’s, estamos levando a realidade da nossa cultura”, afirma.
Movimento
Chaene da Gama, baixista do Black Pantera, não se intimida com a presença de tantos grupos de rock formados apenas por brancos. “O rock começou com o movimento negro, bem antes de Elvis e Beatles. E ainda existe um ‘antes e depois’ na história da guitarra graças a Jimi Hendrix”, diz. A banda, que possui letras fortes contra o racismo, pretende sentir o clima do público para decidir se a apresentação terá algum teor político relacionado às eleições. “Nossa música deixa muito clara a nossa posição. Estar no palco é mostrar para meninas e meninos pretos que eles podem cantar rock”, explica Gama.
O festival desse ano terá ainda o “Espaço Favela”, palco dedicado aos artistas que emergiram de comunidades. Entre eles estão nomes como Lexa, PK, Lia Clark, Buchecha, Ferrugem, Orochi e Marvvila, que, aliás, é quase uma exceção dentro do pagode, estilo musical com forte presença masculina. Aos 16 anos, Marvvila participou do programa The Voice e tornou-se profissional da música. Hoje, aos 23, possui uma voz potente e encanta o público com suas composições e batidas sofisticadas. A artista sempre afirmou que sentia preconceito por ser mulher e pagodeira, mas agora um de seus objetivos é incentivar mais mulheres a cantar, no estilo que quiserem.

As cantoras nacionais têm público garantido: Iza, Ludmilla, Maria Rita, Ivete Sangalo e Luisa Sonza vêm, ao longo dos meses, dando pistas sobre as pautas feministas que devem abordar em suas apresentações. Em um ano eleitoral tão polarizado – e com o público jovem cada vez mais politizado e consciente de seus direitos –, será difícil evitar que a plateia ou algum artista se manifeste a favor ou contra algum candidato à Presidência. Assim como muitos festivais ao longo da história, o Rock in Rio é muito mais que apenas um evento musical.