Formado por quatro jovens indígenas das aldeias Jaguapiru e Bororó, em Mato Grosso do Sul, o grupo de rap Brô Mc’s se prepara para o maior desafio de sua carreira: fazer um show no Rock in Rio 2022, um dos maiores festivais de música do planeta. No evento, que acontece entre os dias 2 e 11 de setembro, no Rio de Janeiro, Ch, Bruno Vn, Tio Creb e Kelvin Mbaretê, que usam pseudônimos por medo de represálias, fazem parte da primeira atração indígena a participar do evento desde que ele foi criado, em 1985. Será o maior Rock in Rio de todos os tempos – e o recordista em termos de diversidade. Ao todo, serão 250 shows, 670 artistas e mais de 500 horas de entretenimento.

FUNK LIA CLARK: representante trans quer colocar o público para dançar (Crédito:Divulgação)

Além dos aguardados shows internacionais, como Iron Maiden, Justin Bieber, Dua Lipa e Guns ‘N’ Roses, há bastante expectativa para os artistas que fogem do padrão. Entre elas estão as drags Gloria Groove e Lia Clark, as cantoras transexuais Majur, Liniker e Azula, e a DJ paranaense Valentina Luz, para citar apenas alguns exemplos da comunidade LGBTQIA+. Até o heavy metal, gênero dominado por bandas com integrantes brancos, terá como um dos destaques os mineiros da banda Black Pantera, formada apenas por músicos negros.

METAL BLACK PANTERA: maior sucesso do trio mineiro é o rock Fogo nos Racistas, rock pesado de protesto que se tornou grito de guerra nos shows da banda (Crédito:Divulgação)

Para Kelvin Mbaretê, do Brô MC’s, o rap é uma posição política, independente de ser feito por indígenas: “O estilo vêm das periferias, é do povo negro que fala de suas vivências nas comunidades. Não há muita diferença em relação ao que acontece com o nosso povo. É uma oportunidade de escrevermos algo sobre a nossa realidade”. O Brô Mc’s, que canta em sua língua nativa, o Guarani, usa a música para denunciar os problemas na região onde vivem, em meio à pressão exercida pelo agronegócio. Tio Creb, outro integrante do grupo, explica que cantar no Rock in Rio vai representar as diversas etnias e comunidades dos povos originários. “Não vamos estar sozinhos em cima do palco. O espírito do povo indígena estará lá com o Brô Mc’s, estamos levando a realidade da nossa cultura”, afirma.

Movimento

Chaene da Gama, baixista do Black Pantera, não se intimida com a presença de tantos grupos de rock formados apenas por brancos. “O rock começou com o movimento negro, bem antes de Elvis e Beatles. E ainda existe um ‘antes e depois’ na história da guitarra graças a Jimi Hendrix”, diz. A banda, que possui letras fortes contra o racismo, pretende sentir o clima do público para decidir se a apresentação terá algum teor político relacionado às eleições. “Nossa música deixa muito clara a nossa posição. Estar no palco é mostrar para meninas e meninos pretos que eles podem cantar rock”, explica Gama.

O festival desse ano terá ainda o “Espaço Favela”, palco dedicado aos artistas que emergiram de comunidades. Entre eles estão nomes como Lexa, PK, Lia Clark, Buchecha, Ferrugem, Orochi e Marvvila, que, aliás, é quase uma exceção dentro do pagode, estilo musical com forte presença masculina. Aos 16 anos, Marvvila participou do programa The Voice e tornou-se profissional da música. Hoje, aos 23, possui uma voz potente e encanta o público com suas composições e batidas sofisticadas. A artista sempre afirmou que sentia preconceito por ser mulher e pagodeira, mas agora um de seus objetivos é incentivar mais mulheres a cantar, no estilo que quiserem.

PAGODE MARVVILA: voz feminina em um estilo majoritariamente de homens (Crédito:Divulgação)

As cantoras nacionais têm público garantido: Iza, Ludmilla, Maria Rita, Ivete Sangalo e Luisa Sonza vêm, ao longo dos meses, dando pistas sobre as pautas feministas que devem abordar em suas apresentações. Em um ano eleitoral tão polarizado – e com o público jovem cada vez mais politizado e consciente de seus direitos –, será difícil evitar que a plateia ou algum artista se manifeste a favor ou contra algum candidato à Presidência. Assim como muitos festivais ao longo da história, o Rock in Rio é muito mais que apenas um evento musical.