A renomada revista cientifica Sciencie divulgou um estudo que aponta gravíssimo acontecimento relacionado com a crise climática: metade das geleiras do planeta está condenada e deve desaparecer até o final do século XXI. Ler tal informação, inicialmente, parece tratar-se de uma situação de déjà vu ambiental, por causa do número de desastres “naturais” que acontecem todos os dias. Ou mesmo um exagero, já que há um continente inteiro coberto por gelo. Porém, a circunstância ricamente apresentada pela publicação é absolutamente verdadeira. No momento em que o planeta caminha de forma irrefutável em direção ao aquecimento global, o aumento da temperatura provocará o degelo total da Europa Central, da parte oeste do Canadá e Estados Unidos, e da Nova Zelândia, entre outros lugares mais sensíveis ao crescimento do efeito estufa, como a Cordilheira dos Andes e o Himalaia. Os cálculos propostos no estudo superam, e muito, as assustadoras projeções atuais feitas por cientistas do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU).

O mais preciso trabalho sobre o futuro das geleiras foi realizado a partir da investigação das mudanças que as massas de gelo sofreram nos últimos anos, dos elementos que estão em seu entorno, as rochas e sedimentos, e o crescimento da temperatura dos mares nos “quatro cantos do mundo”. Os especialistas avaliaram 215 mil geleiras em muitos cenários de aquecimento global. “No exigente estudo foram incluídos parâmetros, para além do aumento da temperatura. Agora, conhecemos um pouco mais sobre as geleiras”, afirma Filipe Gaudie Ley Lindau, pesquisador do Centro Polar e Climático do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Algumas regiões que, ao longo dos anos, ficaram famosas por causa do gelo, como Alpes europeus, ícone de patinação na neve, pode perder o seu visual característico.

Passado e futuro

Se nada for feito e as projeções divulgadas forem confirmadas, as únicas imagens que as gerações futuras irão ver surgir serão as de catástrofes ambientais, como, aliás, já está ocorrendo. Mais: pode faltar água para beber. “Nos Andes, especialmente na Bolívia e Peru, a água de degelo é muito utilizada. Se as geleiras desaparecerem, haverá períodos do ano de desabastecimento”, explica o especialista. Mais ainda: os pesquisadores se dedicaram em examinar o que aconteceria com o gelo em diversos quadros de aquecimento global. Então, digamos, se a temperatura subir apenas 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, 49% das geleiras do planeta (algo previsto no Acordo de Paris) vão sumir. Isso significa que pode haver a elevação dos oceanos de nove a quinze centímetros. Parece pouco, mas não é. No ano passado, inúmeras inundações e fortes ondas de calor foram responsáveis por muitas mortes em todo o mundo. Nos últimos 50 anos, mais dois milhões de vidas foram ceifadas por esse motivo. Não é difícil lembrar, por exemplo, o que disse António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas, após as enchentes que dizimaram a população pobre do Paquistão há pouco tempo. “Se não acredita na crise climática, olhe para o Paquistão. Nunca vi tragédia como essa”, lamentou Guterres. O volume de desastres ecossistêmicos de muitos tipos ocorridos em todas as partes do planeta, infelizmente, já se tornou coisa trivial. A pesquisa da Science não traz somente a possibilidade de tragédia. Os cientistas acreditam que do campo político, ainda, possam vir soluções que poderão evitar que o pior aconteça. “É a única alternativa, mas ainda dá tempo”, conclui Lindau.

MARCA O efeito estufa derreteu grande parte da maior geleira na França: a placa indica o antigo nível (Crédito:Divulgação)