17/11/2017 - 18:00
Honoré de Balzac (1799-1850), o escritor que melhor retratou a sociedade francesa durante o florescimento da burguesia no século 19, costuma descrever em detalhes os cenários pelos quais os parisienses flanavam para observar as novidades que os comerciantes expunham elegantemente na entrada de lojas cada vez mais vistosas. Em sua fascinante obra literária é recorrente a alusão a vitrines elaboradas com todo o cuidado na intenção de despertar um desejo irresistível nos consumidores. Tivesse vivido nas últimas décadas do século 20, Balzac seria obrigado a dedicar capítulos inteiros de seus livros para deleitar os leitores com as estonteantes criações da artista plástica tunisiana Leïla Menchari. Hoje com 90 anos, Leïla revolucionou o conceito de vitrine ao criar instalações artísticas repletas de referências históricas e oníricas para a maison Hermès, em Paris. “A Hermès não seria Hermès sem Leïla”, afirma o CEO da grife de luxo, Axel Dumas, no texto de apresentação da mostra “Hermès à Tire d’Aile: Les Mondes de Leïla Menchari”, que até o dia 3 de dezembro reproduz no Grand Palais oito das mais de 150 vitrines criadas por Leïla para a marca ao longo de 35 anos de parceria. Complementando a exposição, o livro “Leïla Menchari, La Reine Mage” (Actes Sud, 360 páginas) mergulha no processo criativo da artista e traduz em 147 imagens a forma como ela combinou bolsas, malas, lenços de seda e até celas de cavalo com objetos cuidadosamente escolhidos para criar verdadeiros dioramas hipnóticos.
Tudo começou em 1961. Foi quando Leïla, que havia se formado em Belas Artes em sua Túnis natal e feito um especialização em Paris, bateu à porta do número 24 da rua Faubourg Saint-Honoré levando a tiracolo uma pasta com seus melhores desenhos. Recebida por Annie Beaumel, então diretora da vitrine da Hermès, Leïla recebeu elogios e também uma incumbência desafiadora: “Desenhe-me seus sonhos”, disse Annie. Foi assim que a filha de um advogado francófilo criada em uma família proprietária de terras no norte da Tunísia e admiradora confessa do pintor surrealista Salvador Dalì descobriu sua mais profunda vocação: transformar sonhos em realidade. Não demorou para que ela descobrisse que “nas oficinas de Hermès, tudo é possível”, como diria mais tarde, depois de ter assumido o cargo que fora de Annie.
Mistério e imaginação
Ao se tornar a principal vitrinista da loja conceito da grife, instalada no mais badalado endereço da moda e do luxo na capital francesa, Leïla deu asas à sua audaciosa imaginação. Intuindo que o desejo de consumo pode ser amplificado quando se abre a porta para o mundo dos sonhos, ela se dedicou a estimular a imaginação dos clientes a partir de cenários deslumbrantes. Mais que apenas dispor com criatividade as peças que a grife lançava a cada nova estação do ano, Leïla recorreu a objetos que não estavam à venda, muitos deles criados especialmente por artesãos que ela garimpou no norte da África, na Índia e no Oriente Médio.
Uma de suas vitrines mais celebradas simula o luxuoso aposento de um faraó egípcio, com todo o brilho que só as reluzentes peças douradas podem emular. Em outras criações, Leïla recorreu a esculturas de Christian Renonciat, como foi o caso de um monumental pé alado, em 1995, e de um cavalo estilizado, em 2011. Ambas as imagens se relacionam com a história da grife fundada no século 19 por Thierry Hermès, originalmente uma manufatura de celas de montaria. Depois das celas viriam malas, bolsas – os modelos inspirados nas atrizes Grace Kelly e Jane Birkin, batizados com seus sobrenomes, se tornaram clássicos do luxo —, sapatos, lenços, gravatas, perfumes e acima de tudo uma mítica própria, valorizada por referências a mitos como de Pégaso.
“O mistério é um convite para preencher as lacunas deixadas pela imaginação”, afirma o CEO da marca, Axel Dumas, referindo-se ao modo como Leïla Menchari foi capaz de valorizar os pilares da marca ao criar um mundo peculiar e de viagens, lendas e beleza exuberante.