22/12/2022 - 9:30

Não importa o estilo ou a época, todo arquiteto tem um sonho sigiloso e prosaico: projetar a cadeira perfeita. Com Lina Bo Bardi não foi diferente. Dona de uma visão ampla do seu trabalho, essa italiana de nascimento e brasileira de coração desenvolveu diversos modelos inovadores de mobiliário, peças tão revolucionárias e originais quanto suas casas e edifícios. Seu marido, Pietro Maria Bardi, um dos criadores do MASP, foi quem melhor a definiu: “Lina via arquitetura em todos os objetos”.
Essa vertente de seu ofício está reunida pela primeira vez no excelente livro Lina Bo Bardi Designer: O Mobiliário dos Tempos Pioneiros 1947-1958, de Sergio Campos, registro histórico que ajuda a compreender o pioneirismo do legado deixado pela arquiteta do MASP. Além do texto crítico, a publicação traz material fotográfico, croquis e desenhos, muitos deles inéditos – material que remete ao conceito da exposição realizada em 2014, na Casa de Vidro, em São Paulo. A lendária construção que foi residência do casal Bo Bardi, no bairro do Morumbi, zona sul da capital, sediou uma mostra organizada pelo autor do livro em homenagem ao centenário de nascimento da arquiteta. “Minha proposta era abranger o período entre a criação do MASP, em 1947, até o final dos anos 1950, antes de Lina ir para a Bahia”, afirma Campos.
Apesar de apresentar características que poderiam ser aplicadas em maior escala, a produção do mobiliário de Lina não chegou a ser industrializada, o que tornou os itens criados por ela ainda mais raros. Acabaram servindo de inspiração para as primeiras iniciativas de produção em série do mobiliário moderno brasileiro, como criações de, entre outros, Zanine Caldas (Fábrica de Móveis Artísticos Z), Jean Gillon (Italma/Wood Art), Sergio Rodrigues (Oca) e Jorge Zalszupin (L’Atelier).

Cadeira democrática
A primeira cadeira de Lina foi criada a partir de uma limitação física. O pequeno auditório do MASP, ainda em sua versão inicial, na rua 7 de abril, no centro de São Paulo, exigia uma peça prática e de multiuso. O ideal seria uma cadeira que pudesse ser usada no exíguo local e, ao mesmo tempo, em outras atividades do museu. Seria adequado ainda que ocupasse pouco espaço ao ser guardada, quando o auditório fosse usado para outros fins. Além de compacta e simples, portanto, “a cadeira do MASP 7 de Abril”, como ficou conhecida, era dobrável e fácil de empilhar. E era, também, democrática, seguindo os princípios políticos do casal Bardi: dos convidados de gala aos alunos que estudavam no museu, seu uso não permitia nenhuma distinção hierárquica. Chegou a ser comparada às cadeiras das plateias de circo, que, por serem espetáculos itinerantes, obedeciam ao mesmo tipo de demanda.

Lina passou de modernista à contemporânea, incorporando a brasilidade e elementos estranhos à criação de móveis da época. “A cadeira de três pés de conduíte, por exemplo, usava um material que era impensável em 1948. Esse tipo de inovação só começou a ser feito nos anos 1990, com nomes como os irmãos Campana”, diz Campos. O autor lembra ainda que Lina olhava para o Brasil enquanto outros colegas modernistas, como John Graz e Gregori Warchavchik, seguiam a linha internacionalista: “Ela não foi imediatamente compreendida. Ao criar assentos de cadeiras costurados com cordas, como as roupas das pessoas do interior, fazia referência a uma brasilidade que nem os brasileiros enxergavam, porque estavam olhando para a Europa”. Pietro Maria Bardi costumava confirmar a importância que a esposa atribuía a esse aspecto de sua carreira: “Para Lina, projetar uma cadeira significava respeitar a arquitetura. Ela enfatizou o aspecto arquitetônico de uma peça de mobiliário”.