ESTRATEGISTA Depois de conquistar a Europa, Napoleão foi derrotado de maneira acachapante


Em junho de 1815, quando o imperador francês Napoleão Bonaparte foi finalmente derrotado na pequena cidade de Waterloo, na Bélgica, antes de bater em retirada deixou para trás um campo de batalha repleto de milhares de cadáveres — e também os inevitáveis detritos da guerra: restos de artilharia, sangue, roupas, dentes e as muitas carcaças de cavalos. Mas afinal o que aconteceu com todo esse cenário digno de um filme de terror? Apenas em julho deste ano, arqueólogos da organização sem fins lucrativos Waterloo Uncovered acharam um esqueleto humano completo. Se no passado os pesquisadores descobriram muitos ossos de cavalos e restos de membros amputados, raríssimas ossadas foram achadas intactas nos últimos dois séculos, o que torna o achado bastante significativo. Os ossos recém-descobertos estavam em uma vala perto do principal hospital de campanha aliado, cercados por caixas de munição e lixo médico. “Não sabemos se essa pessoa foi morta em uma batalha e o corpo foi trazido para cá, ou se era um paciente que morreu no hospital”, disse Tony Pollard, arqueólogo da Universidade de Glasgow e um dos diretores do projeto, à Agence France-Presse.

Encontrar o esqueleto perto de membros amputados e outros detritos “mostra o estado de emergência” do hospital de campanha durante o conflito, diz Véronique Moulaert, arqueóloga da Wallonia Heritage Agency. Os historiadores estimam que mais de 20 mil soldados tenham morrido durante a batalha, que 30 mil tenham sido feridos ou amputados e isso sem contar sete mil cavalos que pereceram no local. Relatos da época falam de corpos franceses sendo queimados por camponeses locais em piras funerárias, com outros corpos sendo jogados em valas comuns, porém, algumas cartas também mostram outro destino dado aos falecidos: ossos colhidos na região foram moídos para serem usados como fertilizante e adubo.

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Em um artigo recém-publicado no Journal of Conflict Archaeology, Pollard examinou diversos materiais de origem histórica, como diários dos primeiros visitantes do local e obras de arte que registraram a batalha – ainda não existia fotografia – para tentar mapear os túmulos de Waterloo e assim encontrar uma resposta definitiva ao mistério arqueológico do conflito. Um relato do Major W.E. Frye descreve o campo de guerra em 22 de junho, quatro dias após o fim da disputa, como “uma visão horrível demais para se ter”. Frye contou “a multidão de carcaças, os montes de homens feridos, com membros mutilados e incapazes de se mover, perecendo por não terem suas feridas curadas, ou de fome”. Soldados sobreviventes despojaram ainda os corpos de suas armas, roupas e outros objetos de valor, seguidos por moradores da região e turistas ansiosos para salvar todas as lembranças que pudessem: pedaços de couro, balas, chapéus, cartas, páginas de livros e, em casos extremos, dentes que eram posteriormente vendidos para a fabricação de dentaduras.

A batalha mortal, que ocorreu em domingo chuvoso e em campo lamacento demais para Napoleão, pôs fim às Guerras Napoleônicas entre a França e várias nações europeias, encabeçadas pela Inglaterra e Prússia, principalmente na figura do britânico Duque de Wellington. Com 72 mil homens, Napoleão decidiu esperar a chuva passar para atacar o exército comandado por Wellington, porque havia acabado de derrotar um exército prussiano e estava confiante. Porém, por sua demora, uma parte desse mesmo exército prussiano derrotado conseguiu se juntar às tropas britânicas fazendo com que as tropas aliadas contassem, ao todo, com 118 mil homens. “O mundo nunca mais foi o mesmo depois de Napoleão. Ele levou toda a modernidade conquistada na Revolução Francesa para toda a Europa”, diz Victor Missiato, doutor em História e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele explica que após a derrota de Napoleão, houve uma reconfiguração das monarquias do velho continente, mas que seu impacto foi decisivo e duradouro. “Nada foi o mesmo, independente dessa derrota.”