15/07/2022 - 9:30

Sentado em sua tradicional cadeira de balanço, há pouco mais de meio século, Ariano Suassuna anunciava no Recife, em Pernambuco, a união de um grupo de artistas em torno de um conceito am bicioso: a criação de uma arte erudita nacional, concebida a partir das manifestações culturais do Nordeste. Nascia o Movimento Armorial, uma das mais originais escolas artísticas da história do País. “Comecei a ficar preocupado com a descaracterização da cultura brasileira”, justificou Suassuna, um ano antes de sua morte, em 2014. “Pensei em reunir outros que tivessem preocupações semelhantes para lutar contra isso.”
O grupo, que era formado por Francisco Brennand, Gilvan Samico, Aluísio Braga, Lourdes Magalhães, Fernando Lopes da Paz, entre outros, além do próprio Suassuna, ganha esse ano sua maior retrospectiva fora do Nordeste. O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) inaugura em São Paulo a mostra Movimento Armorial 50 Anos, com cerca de 140 obras de arte – a grande maioria nunca havia saído de Recife. “Suassuna propôs uma volta às raízes brasileiras, com respeito à diversidade, às tradições dos negros, índios e brancos, mas sempre de forma inteligente e lúdica”, explica Denise Mattar, curadora da exposição. Em agosto e setembro, o local abrigará um ciclo de eventos com palestras, shows e uma aula apresentada por Manuel Dantas Suassuna, filho do escritor. Para ele, o grande atrativo da exposição é mostrar outras facetas da trajetória do pai:“É bom que essas obras possam ser vistas em todo o Brasil, uma vez que esse acervo nunca tinha saído de Pernambuco. O legado de Ariano prova que ele não era só um escritor, mas um pensador do Brasil, um intelectual cujas ideias continuam vivas”.

A mostra traz manuscritos ilustrados por Suassuna, partituras, vídeos de suas famosas “aulas-espetáculo” e pinturas. Reúne ainda os figurinos criados pelo artista plástico Francisco Brennand para o filme A Compadecida, baseado na peça O Auto da Compadecida, do próprio Suassuna. Há ainda xilogravuras, esculturas, fotos do corpo de dança Grial e áudios do Quinteto Armorial, grupo musical criado por Antônio José Madureira e Antônio Carlos Nóbrega.
Os 95 anos que Suassuna teria completado em junho também têm incentivado o resgate de sua literatura. Chega às livrariras a reedição de Uma Mulher Vestida de Sol, peça de 1947 que marca sua estreia no teatro. A nova versão traz um texto de 1964 em que o autor comenta seu processo criativo. Para Denise, suas ideias seguem influenciando a cultura brasileira. “O Armorial não existe mais como movimento, mas sua estética permanece. O Auto da Compadecida é o filme brasileiro mais visto no streaming. Na TV, diretores como Luiz Fernando Carvalho e Guel Arraes mantém sua estética viva.” Para ela, a relevância se mantém no equilíbrio de sua arte com os elementos populares. “Essa combinação deveria ser um exemplo para o País. Ariano ficaria horrorizado com toda a polarização política, pois sua contundência vinha da combinação entre cultura, humor e magia, coisa que falta ao Brasil de hoje.”
Bom modelo para o metal
Inter Mundos, novo álbum da banda Caravellus, é inspirado em Suassuna

O que o heavy metal tem a ver com Ariano Suassuna? Se depender do guitarrista Glauber Oliveira, muita coisa. O líder da banda Caravellus é um estudioso de sua obra e usou essas referências para criar o conceito do novo álbum, Inter Mundos, obra que tem sido bem recebida pelos fãs do gênero no Brasil e no exterior. “Minha conexão vem do amor que temos pelo Brasil, sobretudo pelo Nordeste. Esse desejo de enaltecer o País me serviu de inspiração para fundar o Caravellus”, afirma o músico. Segundo Glauber, a banda sempre fundiu manifestações artísticas, da mesma maneira que o Movimento Armorial. “Misturamos o rock pesado com ritmos nordestinos como Frevo, Caboclinho, Côco de Roda, Ciranda e Maracatu.” O grupo, que conta ainda com Leandro Caçoilo (vocal), Daniel Felix (teclados), Emerson Dácio (baixo) e Rafael Ferreira (bateria), tem como convidada a cantora Elba Ramalho. As letras homenageiam personagens emblemáticos de Suassuna, como a onça Caetana e seus Gaviões. A Cariri e suas aves de rapina, que são A Morte personificada criada por Ariano, ilustram a capa de Inter Mundos. “Uma das inspirações vem da reconstrução de um sertão na perspectiva do Movimento Armorial, realizada com a obra A História de Amor de Fernando e Isaura (1956), que, por sua vez, é uma releitura da obra medieval O Romance de Tristão e Isolda”, afirma Glauber.