11/11/2023 - 8:30
Um ano antes de morrer, Matthew Perry, um dos seis amigos da série (sim, o título é referência ao programa. E sim, o algoritmo do Youtube me diz que ainda é válido falar sobre o ator), lançou livro de memórias e abriu a caixa-preta sobre o fundo do poço em que viveu nos últimos 30 anos enquanto divertia metade da população mundial pela TV. Um momento do livro Amigos, amores e aquela coisa terrível é definitivo sobre sua trajetória e a crise de saúde mental que acomete a mesma metade global que amava o seriado. Aos 14 anos, compartilhou garrafa de vinho com amigos e, ao efeito do álcool, diz ter experimentado o paraíso. “‘Deve ser assim que as pessoas normais se sentem o tempo todo”, concluiu.
A ciência pode até explicar que o álcool atinge seu centro de prazer, libera dopamina e serotonina, que trazem sensação de bem-estar, desinibição, relaxamento e zzzzzzzzzz. Fato é que todos, inclusive um dos atores mais famosos do mundo, querem uma coisa: reconhecimento. No caso dele, conforme conta, era a fama que iria preencher o vazio existencial que sentia. Aos 18, bebia todos os dias. Antes de entrar no seriado, fez um pacto divino para atingir a aclamação que iria tornar sua alma completa. Quando chegou lá, logo na primeira das dez temporadas, entre 1994 e 2004, alternava gravações com 55 pílulas de analgésico e galão de vodca que consumia diariamente. Isso antes de a Internet, plataformas de streaming e celulares existirem conforme os conhecemos.
Corte para o final do livro, em 2022 (sim, darei spoiler). Após 65 internações para tratar dependência, ter o cólon explodido (termo dele) pelo abuso de opióides, ele diz que trocaria toda a fama e os U$ 120 milhões acumulados pela vida pacata de qualquer amigo. Ok, não é um final exatamente feliz. Mas igualmente é uma promessa traiçoeira essa de vida “pacata”.
Acabamos nos constituindo em população que busca a mesma aprovação que ele almejava. Sem intervalos. Basta fazer uma conta de quantas vezes você checa o celular a cada hora.
A ciência tem exatamente a mesma explicação dada sobre o álcool: mensagem, curtida, notificação ou o rolar do feed ativam a área cerebral de prazer, liberam dopamina e zzzzzzz.
Fato é que a cada conferida, almejamos aquele reconhecimento, que nos fará sentir “como as pessoas normais se sentem o tempo todo”. E seguimos a busca gole a gole durante o dia. De uma garrafa que está presente e acessível 24×7.
Não se trata de demonizar a tecnologia, celular, até porque a máxima de que a diferença entre remédio e veneno está na dose é válida. Mas ter consciência dos motivos de adoecimento global. Enquanto não falarmos a respeito de maneira franca, seguiremos entre amigos, amores e aquela coisa potencialmente terrível.