20/04/2023 - 9:30
“Não aguento esses cuidados: se me fiscalizam fico malcriada, depois infeliz e, finalmente, viro meu coração do avesso para que o lado mau fique de fora e o bom para dentro. Continuo tentando encontrar a maneira de ser como desejo ser, como poderia ser, se… se não houvesse mais ninguém vivo nesse mundo.” Essas foram as derradeiras palavras que Annelies Marie Frank escreveu em seu diário, em uma terça-feira, 1º de agosto de 1944. Ela tinha 15 anos à época, seu esconderijo em Amsterdã, na Holanda, seria descoberto três dias depois e Anne, como ficou conhecida, morreria dentro de seis meses, no campo de concentração Bergen-Belsen, na Alemanha. O diário convertido em livro em 1947 é uma das cem obras mais importantes do século XX, segundo o jornal francês Le Monde. Anne é uma das cem pessoas mais importantes do mesmo período para a revista norte-americana Time. Sua história virou peça, filme, quadrinho. Só que agora é contada por outra perspectiva — o foco é na mulher que ajudou a família Frank a se esconder dos nazistas entre julho de 1942 e agosto de 1944, a austríaca Miep Gies. Ela é a protagonista da série A Small Light, que estreia no dia 1º de maio no National Geographic, e no dia seguinte no Star + e Disney +.

Dois dos oito episódios do seriado serão transmitidos na estreia, e os seis seguintes, lançados no mesmo cronograma de segundas-feiras e terças-feiras nos respectivos canais, um a cada semana. Miep Gies, interpretada por Bel Powley, é uma secretária imigrante que se recusa a entrar para a associação nazista feminina quando ocuparam a Holanda durante a Segunda Guerra Mundial. Ela trabalha para o pai de Anne, o alemão Otto Frank (Liev Schreiber), na unidade holandesa da empresa germânica Opekta. E é em um dos anexos do escritório da companhia que a família Frank (além dos dois, a irmã mais velha de Anne, Margot, e sua mãe, Edith) se refugiou durante o período. Gies é, junto ao marido Jan (Joe Cole), a administradora do refúgio, provendo-os de alimentos e assistência.
“Quando ouvimos a história de Miep Gies, ficamos cativados e comovidos. Também ficamos convencidos de que a minissérie sobre uma super-heroína sem capa, da qual a maior parte do mundo nunca tinha ouvido falar, precisava ser conhecida”, diz Carolyn Bernstein, vice-presidente do National Geographic.
As três mulheres Frank morreram em campos de concentração – as irmãs de tifo, na Alemanha, e a mãe de fome, em Auschwitz, na Polônia. O único sobrevivente dos oito que se esconderam foi Otto Frank. Miep Gies ficou com o diário da menina após sua prisão, e, com a libertação do pai, entregou a ele os escritos, que viraram livro que ultrapassa 35 milhões de exemplares vendidos, 76 anos após seu lançamento. Também fazem parte do elenco Amira Casar, no papel de Edith Frank; Billie Boullet, como Anne; Ashley Brooke interpretando Margot; Andy Nyman no personagem de Hermann van Pels; Caroline Catz, como Auguste van Pels; Rudi Goodman fazendo Peter van Pels, e Noah Taylor representando o Dr. Fritz Pfeffer.
ENTREVISTA | Amira Casar, que faz na série a mãe de Anne
‘É preciso lembrar que muitas pessoas boas existiram’

O Diário de Anne Frank é bem conhecido. Como é atuar em uma história que não é nova, mas em uma perspectiva agora diferente?
Tenho de concordar e discordar. É a versão da assistente de Otto e como durante a guerra teve que escondê-los, ser a provedora, dirigir o escritório. É claro que Anne Frank é bem conhecida, mas é uma história que precisa ser contada novamente. Não se trata apenas de religião ou de uma menina judia. Claro que eles foram mártires. É claro que a família passou pela humilhação mais traumática que um ser humano pode passar. Mas o que é muito interessante nessa versão é a coragem, a bravura, a integridade desta jovem mulher e de seu parceiro, e como eles arriscam suas vidas para tentar criar esperança.
Qual é a sua percepção de Anne Frank após a série?
Acho chocante que algumas pessoas queiram proibir Anne Frank nas escolas: ela é uma escritora vital. Primeiramente, é uma autora brilhante. A página da descrição do esconderijo é como uma novela de Gustave Flaubert. Segundo, eu me identifiquei muito com a senhora Frank porque ela é uma pensadora moderna e progressista. O Otto também. E eu gostaria de celebrar os holandeses, porque são o único povo que conheço no mundo que resistiu aos nazistas por três dias inteiros. Quando foram dominados e os nazistas começaram a colocar estrelas nas casas dos judeus, os holandeses passaram a pôr qualquer coisa amarela, que tinham, como forma de resistência.
Tendo pai curdo, mãe russa e crescido entre Inglaterra, Irlanda e França, acha que tem mais empatia para lidar com esse tipo de história?
Acho que sou uma atriz em metamorfose. De onde vim não influenciou muito, apesar do meu passado multicultural. Diversos membros da minha família se exilaram por causa da Revolução Russa. Eu gosto de dar sentido aos mortos: eles são humanos, é preciso lembrar que muitas pessoas boas existiram.
Como entrou e como saiu das filmagens? Algo mudou em relação à sua percepção da história?
Sim. Eu ainda estou tentando sair do papel: é como montar um quebra-cabeças, porque eu levo alma e imaginação e tento não trair as pessoas que existiram. É uma grande responsabilidade nos nossos ombros quando interpretamos pessoas incríveis e tentamos fazer justiça a elas. A senhora Frank me tocou nesse sentido: de torná-la um ser humano fora das páginas.
Alguma recomendação para quem vai assistir a série?
Recomendaria muito ler os diários. A Anne é uma pessoa que fala como adulta num corpo de criança. Ela é tão cheia de vida e tem talento para a escrita que a família nutre. Ela conseguia enxergar através das pessoas e tentava abordar o que era o ser humano. Ela falava de uma forma tão humana e crítica sobre si mesma e tinha um senso de humor ótimo. Eu recomendo lê-la e ver a maior quantidade possível de documentários sobre o Holocausto.