21/05/2021 - 9:30

O castelo de mentiras e ilegalidades erguido pelo ministro Ricardo Salles está ruindo e seu futuro no governo e em liberdade fica cada vez mais incerto. Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a Policia Federal deflagrou, quarta-feira, 19, a operação Akuanduba, em que investiga diversos crimes cometidos por um grupo instalado no Ministério do Meio Ambiente para favorecer o contrabando de madeira amazônica para os Estados Unidos e Europa. A polícia descobriu que Salles suspendeu, com uma manobra burocrática, em fevereiro do ano passado, os efeitos de uma norma de exportação e “deixou passar a boiada”, permitindo, de forma retroativa, a regularização de cerca de oito mil cargas de produtos florestais transportados entre 2019 e 2020 sem licença ambiental. Para isso, contou com uma rede de colaboradores que aparelhou o Ministério, entre os quais o presidente do Ibama, Eduardo Bim. No seu despacho, Moraes, que autorizou a operação por envolver um ministro de Estado, pede o afastamento de Bim e de outros dez funcionários dos cargos, para evitar interferência na investigação, e determina a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos acusados.
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Já se sabia que Salles tinha uma relação nada republicana e movida por interesses mesquinhos com os madeireiros, como revelou ISTOÉ, há três semanas, com exclusividade. Na reportagem, foi mostrada a ligação do ministro com grileiros de terras públicas no Pará. O ex-superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva também havia informado o STF desses laços promíscuos. “O ministro estaria atuando e favorecendo madeireiros. E isso foi feito de forma explícita”, disse Saraiva. Agora, porém, fica exposta a escala assombrosa dessa relação criminosa entre quem fiscaliza e quem destrói a floresta. A denúncia inicial que levou a PF a agir foi feita em fevereiro, logo depois da posse de Joe Biden, pelo adido da Embaixada dos EUA em Brasília, Bryan Landry, que recebeu relatos do Serviço de Pesca e Vida Selvagem (FWS) e expôs movimentos de exportação não autorizados no porto de Savannah, na Geórgia. A partir de um fato concreto – três contêineres com madeira de Ipê e Jatobá – se desvendou um esquema que envolveu mudanças de regras na calada da noite e facilidades comerciais para madeireiros. O caso denunciado por Landry exibe irregularidades cometidas pela empresa Tradelink Madeiras, de Ananindeua (PA), e pela Tradelink Wood Products, na Carolina do Norte (EUA). A potencial corrupção no Ministério já preocupa investidores internacionais atentos à destruição ambiental no País.

Os crimes investigados pela PF que teriam sido praticados pelo ministro e por seus subordinados incluem corrupção passiva, facilitação de contrabando, prevaricação, advocacia administrativa, corrupção ativa, contrabando, crimes contra a administração ambiental, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa. Os efeitos da medida administrativa que liberou exportações irregulares foram suspensos por Moraes. Amostras das madeiras apreendidas pelas autoridades norte-americanas em Savannah foram colhidas para a confirmação de sua origem. No dia em que a operação Akuanduba foi deflagrada 160 policiais federais cumpriram 35 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, no Pará e em São Paulo, incluindo endereços residenciais de Salles e a sede do Ministério no Pará.
“A documentação encaminhada pela autoridade policial traz fortes indícios de um encadeamento de condutas complexas da qual teria participação autoridade com prerrogativa de foro ministro de Estado – agentes públicos e pessoas jurídicas, com o claro intuito de atribuir legalidade às madeiras de origem brasileira retidas pelas autoridades norte-americanas”, escreveu Moraes. Ele identificou a criação de um grave esquema criminoso de caráter transnacional que envolve agentes públicos e empresas. Um relatório do Coaf mostrou que o escritório de advocacia no qual o ministro tem 50% de participação movimentou de maneira “extremamente atípica” R$ 14,1 milhões entre 2012 e 2020. Para Moraes, “a situação recomenda, por cautela, a necessidade de maiores aprofundamentos”.
A operação pegou Salles desprevenido. Ele passou o dia tentando entender o que estava acontecendo. Às 8 horas, chegou na sede da Superintendência da PF, acompanhado de um segurança armado para buscar informações sobre o inquérito. Ouviu que o caso estava sob sigilo e sob a responsabilidade de Moraes. Na sequência, correu para se explicar com o chefe Jair Bolsonaro e disse que é tudo invenção e que a fortuna movimentada em sua conta pode ser justificada. Ganhou uma sobrevida, que deve ser curta. Estava acompanhado do ministro da Justiça, Anderson Torres. Com um lance surpreendente, Moraes acirrou ainda mais os ânimos entre o STF e o Planalto. Bolsonaro tem trocado ataques com o tribunal e recebido o troco. Em um evento na tarde de quarta-feira, Salles disse que a ação da PF foi “exagerada” e “desnecessária”. Mas a operação Akuanduba mostra que a polícia age com independência.

Expõe também o relativo poder do diretor-geral da corporação, Paulo Maiurino, que assumiu em abril. Alguns delegados da PF estariam contrariados pelo fato de Maiurino ter perfil político, incompatível com a vaga que ocupa. A PF aponta que um agente da Abin, André Silveira, teria participado do afastamento de um servidor do Ibama, Carlos Rodrigues Júnior, responsável por ações de fiscalização. Silveira tinha como objetivo dificultar investigações da PF sobre ações da pasta. O nome Akuanduba, que batiza a operação, se refere a uma divindade dos índios Araras, do Pará. Segundo a lenda, se alguém comete algum excesso, contrariando as normas, a divindade toca uma flauta, restabelecendo a ordem. A flauta de Akuanduba promete ser a porta do inferno de Salles.