Não era segredo nenhum que Renato Russo (1960-1996), vocalista da Legião Urbana, tinha uma alma jovem. Como ele entoava nos versos de Tempo Perdido (1986): “Não tenho mais o tempo que passou/Mas tenho muito tempo/ Temos todo o tempo do mundo/Somos tão jovens”. Pela energia que vem demonstrando no festival “Rock Brasil 40 Anos”, há muitas bandas que mantém esse espírito: Blitz, Titãs, Paralamas do Sucesso e Capital Inicial, entre outras, se apresentam no Memorial da América Latina, em São Paulo, até 21 de abril, em um evento que reúne diversas gerações – tanto no palco quanto na plateia. Além de comemorar os 40 anos do estilo – o ano de 1982 é considerado o marco zero graças ao lançamento de Você Não Soube me Amar, da Blitz. “É um grande desafio porque os tempos mudaram. Não temos mais bandas como as que tivemos nos anos 1980. Gosto de fazer festivais com os grandes nomes para que adolescentes e jovens possam conhecê-los e também passem a tê-los como ídolos. Quero que isso os inspire para que eles possam ser os próximos a subir no palco”, explica Peck Mecenas. O produtor cresceu junto com o rock nacional. Aos 18 anos já trabalhava com o Barão Vermelho. Com a mesma idade, tornou-se produtor executivo do Circo Voador, no Rio de Janeiro, “templo do rock” onde conheceu bandas como Blitz, Paralamas e Capital Inicial, entre outras. “Considero esse festival um segundo renascimento do rock brasileiro. O primeiro foi depois da ditadura, quando ganhamos a democracia, e o segundo é agora, com o retorno após uma melhora na pandemia. Ver a alegria, a esperança no olho dos artistas e do público não tem preço”, diz.

“É aconchegante voltar àquela época, lembrar da adolescência e perceber que ela ‘não foi um tempo perdido’, como diz a música da Legião” Cristiana Renner, psicóloga e fã do Capital Inicial (de boné, com amigos)

Keiny Andrade

Era nítida a emoção das milhares de pessoas que chegavam ao Memorial da América Latina no domingo, 27 de março, primeiro dia de show. A data foi escolhida a dedo: seria o aniversário de 62 anos de Renato Russo, um dos maiores representantes dessa geração. O espetáculo, que contou com apresentações do Paralamas do Sucesso, Plebe Rude, Capital Inicial e Biquini Cavadão, marcou o reencontro de velhos amigos e a certeza de que a música desses grandes dinossauros do rock brasileiro transcende gerações.

A supervisora Hellen Suely Valente, 38, estava com o marido André Luís Silva, 51, e as duas filhas Eloá Valente, 14, e Sofia Valente, 10. Era a primeira vez que esses roqueiros de carteirinha levavam as filhas para um show de rock. “Queremos que nossas filhas cresçam em um ambiente cultural. Eloá, por exemplo, adora música clássica e a mais jovem não para de escutar Eduardo e Mônica, da Legião Urbana. É importante que elas tenham essa bagagem cultural”, diz Hellen. Perto dali, um grupo de cinco amigos curtia o show do Capital Inicial. “É a banda da nossa adolescência, ouvíamos quando tínhamos 16 anos”, relembra a psicóloga Cristiana Renner, 50 anos. O grupo ainda contava com Ana Cecília Marcondes, de 51, Fernando Marcondes, 54, Sandra Santa’anna, 50, e Gigi Ribeiro, 51, todos amigos da época do ginásio. “Hoje não se fala mais assim, seria o equivalente ao ensino fundamental 2”, explica Cristiana. Alguns não se viam há mais de uma década. “É aconchegante voltar àquela época, lembrar da adolescência e ver que não foi um tempo perdido, como diz a música da Legião. Temos que celebrar porque estamos vivos. A pandemia nos mostrou que precisamos viver mais e não deixar o tempo passar”, diz a psicóloga.

GERAÇÃO Hellen Valente, com o marido, André, e as filhas Eloá, de 14 anos, e Sofia, de 10: crescimento em um ambiente cultural (Crédito:Keiny Andrade)

Apesar de não gostar de comemorar aniversário, Evandro Mesquita, vocalista da Blitz, não vai deixar de celebrar os 40 anos de atividade da banda com um show especial no dia 17 de abril. “A gente não esperava ter uma carreira tão longa. Queríamos apenas agradar os amigos da praia, tocar na rádio e gravar discos. Aos poucos fomos realizando sonhos que pareciam distantes, é uma trajetória muito bonita”, diz. “Fui um dinossauro nesse meio. Sinto um tremendo orgulho, porque foi uma época difícil, um período de censura e ditadura. As rádios não tocavam as músicas que falavam diretamente com a juventude”, lembra. Se depender do talento e da música desses artistas, não importa o tempo, eles serão jovens para sempre.