Levado ao Japão por imigrantes chineses no século XVII, o lámen demorou quase 300 anos para ganhar os primeiros estabelecimentos especializados no país do sol nascente e algumas décadas para tomar o mundo — primeiramente na versão instantânea, o miojo.

Foi nos anos 2000 que a comida invadiu o Brasil em sua forma mais genuína (macarrão, dashi, tarê, cobertura e gordura), compondo hoje o menu de 15 casas especializadas, além de ser tema de eventos e exposições. “A Arte do Ramen Donburi” vai até 5 de fevereiro, na Japan House São Paulo. Organizada pelo designer Taku Satoh e a escritora e editora Mari Hashimoto, com a Associação do Vale da Cerâmica de Mino, a mostra traz o fenômeno gastronômico do lámen, ou ramen e a história de suas tigelas, chamadas de ramen donburi.

“A comida japonesa era representada pelo sushi e pelo sashimi. O ramen utiliza ingredientes baratos” Jo Takahashi, produtor e escritor

“A comida japonesa era representada pelo sushi e o sashimi, nem sempre tão acessíveis por conta do custo dos peixes e frutos do mar. O ramen é um prato que utiliza ingredientes relativamente baratos”, aponta o produtor cultural e escritor Jo Takahashi, autor de “Ramen/Lámen” (Editora JBC, 2022).

Com a casa mais antiga do País prestes a completar 23 anos (o Aska, em São Paulo), o estouro da tendência aconteceu de 2016 para cá. A consultora gastronômica, escritora e chef de cozinha Michele Dupont acredita que alguns fatores foram cruciais para despontar a febre por aqui, como o maior acesso a viagens internacionais, a difusão de animes e, claro, o uso das redes sociais.

BELEZA E SABOR Entre as coberturas, ovo marinado, barriga de porco, nori, broto de bambu e cebolinha (Crédito:João Castellano)

Enquanto no Japão todo dia é dia de lámen, no Brasil o auge do movimento nos restaurantes ocorre em dias frios, quando consumidores chegam a passar três horas à espera de um lugar. O tempo é fator decisivo na cultura do lámen.

“É difícil alguém parar para reproduzir um lámen do zero, em casa. Comer fora acaba sendo um diferencial do prato”, diz a sócia-fundadora do Jojo Ramen e do Jojo Lab, Simone Xirata. A chef das casas, Janaina Suárez, conta que o caldo- base, que usualmente leva frango, porco e dashi (caldo japonês rico em umami), pode ficar até 12 horas no fogo.

“Foi amor à primeira vista”, diz Marcelo Ribeiro do Valle, que se apaixonou pelo lámen em 2015, influenciado por um professor japonês. “Sou um grande fã de culinárias no geral e até planejo minhas viagens pensando nos restaurantes em que irei”, conta o analista pleno de dados, que pretende visitar Tóquio em 2024.

Influência japonesa

Prato mais consumido no Japão a qualquer hora do dia e popularizado no pós-Guerra, o lámen representa, e muito, o afeto. “Se você quiser comer um lámen às sete da manhã, você encontra”, diz a chef sobre o horário em que trabalhadores de fábricas japonesas costumam encher balcões das casas mais variadas no fim do expediente, para uma rápida refeição. “É um prato que tem características antagônicas, mas curiosas. Mesmo sendo considerado fast food no Japão, porque o consumo é rápido, ele requer cuidado. É feito em etapas e com detalhes. E ainda é rico em nutrientes”, pontua Natasha Green, diretora cultural da Japan House São Paulo.

Composto por uma diversidade de ingredientes, camadas e texturas, o preparo também inclui uma preocupação estética. “A beleza visual vem antes do paladar”, comenta Takahashi, lembrando que, em japonês, “saboroso” se escreve com dois ideogramas: um significa ‘beleza’ e o outro ‘sabor’, exatamente nessa ordem. “Um lámen bem montado agracia os olhos e acentua a vontade de comer”, diz Dupont. Sobre o caldo rico em umami, o quinto sabor, e o macarrão à base de trigo, coberturas como ovo cozido e marinado, algas, finas fatias de carnes, cebolinha e outros vegetais podem compor essa explosão de sabores. “É preciso pensar em complementá-los [os sabores]. Não é uma coisa isolada. Cada elemento tem uma função, de dar acidez, dulçor, crocância”, alerta Xirata.

LÁMEN GIGANTE Exposição traz amostras de comida de plástico, objetos, fotos e desenhos (Crédito:João Castellano)

No Brasil, a opinião dos entusiastas do lámen parece ser unânime: promover a diversidade da cultura alimentar japonesa, valorizando os ingredientes produzidos em solo nacional, bem como os profissionais locais.