Mesmo com maioria de magistrados conservadora (seis republicanos e três democratas), a Suprema Corte dos EUA causou espanto com suas últimas decisões – justo ela que já foi modelo de justiça social e racial. O espanto: as determinações saem da esfera conservadora (nela seriam normais) e entram no terreno ideológico da extrema direita. Caso 1: na sentença que acaba de dar, não mitigando dívidas de universitários, vê-se motivação política contra a Casa Branca, pois contraria Jon Biden — jamais um tribunal conservador faria isso, um direitista sim. Caso 2: A Corte colocou fim no critério de admissão pela cor da pele e etnia nas universidades de Harvard e da Carolina da Norte. Atente-se ao voto do juiz negro Clarence Thomas, contrário à ação afirmativa: ele realça que sofreu por ser visto como “estudante simbólico em Yale”. Expõe o sentimento de se sentir constrangido à época, sem notar que tinha o direito de estudar nessa faculdade. É como se agora se visse na missão, autoritária porque unilateral, de poupar jovens negros de serem também “simbólicos”. Mas quem disse que eles atualmente se sentem “simbólicos”, ainda que sejam discriminados? A percepção do preto mudou com o tempo, os pretos se uniram e se fortaleceram. Trata-se de uma nova e atual geração que exige respeito a seus direitos. Ou seja: a decisão do tribunal não está no conservadorismo, mas, sim, na direita.

…A Corte Suprema do Brasil anda para frente

Gravura: representação de um Tribunal do Júri no século XIX (Crédito:Divulgação)

O STF definiu que não mais poderá ser utilizada em inquéritos, em processos ou no Tribunal do Júri a tese de legítima defesa da honra (nada a ver com a legítima defesa da vida, que é outra figura jurídica). A rigor, a legítima defesa da honra nunca esteve formalizada em códigos republicanos — é invencionice de um Brasil patriarcal a querer justificar o assassinato passional de mulheres cometido por homens. O País avançou em 2015 quando baniu a lei do adultério. Na semana passada, o STF deu passo decisivo, formou maioria e determinou que a exótica tese choca-se com pontos constitucionais: proteção à vida e dignidade da pessoa humana. O truque da legítima defesa da honra vem das Ordenações Filipinas, ordenamento jurídico mais longevo que já vigorou no Brasil: de 1603 a 1830. Motivou a recente decisão da Corte uma ação do PDT.

EXPOSIÇÃO
Com vocês, Heitor dos Prazeres

Heitor dos Prazeres: um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (Crédito:Divulgação)

O Brasil tem dessas coisas maravilhosas e inexplicáveis: há gente que nasce pobre, preta, sem eira nem beira, mas nasce gênio total. É o caso de Heitor dos Prazeres (1898-1966), vindo à vida no Rio Janeiro, então capital de um País recém-saído da escravatura e que acabara de se tornar republicano. Heitor dos Prazeres, descendente de escravizados e autodidata, foi engraxate, marceneiro, músico, artista plástico, escritor, figurinista, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro e sambista de primeira linha – é dele, em parceria com Noel Rosa, o eterno Pierrô apaixonado. Finalmente o seu trabalho ganha agora a exposição que merece no Centro Cultural do Banco do Brasil. Chama Heitor dos Prazeres é Meu Nome e fica aberta até setembro. Destaque para o figurino que lhe foi oficialmente encomendado no IV Centenário de fundação do Rio de Janeiro e o quadro ‘Arlequim’. Mais: para os tantos prêmios conquistados no Brasil e no exterior.

‘Arlequim’: quadro premiado no exterior (Crédito:Divulgação)

PERSONAGEM
A juíza, o escritor, o torturado

Graciliano Ramos: preso arbitrariamente por Getúlio Vargas e autor do clássico ‘Memórias do Cárcere’ (Crédito:Divulgação)

Entra para a galeria das grandes personalidades do mundo jurídico brasileiro a juíza Luciana Teixeira de Souza, corregedora de presídios no Ceará. Dois motivos: 1) Ela determinou imediato afastamento temporário de funcionários da cúpula de uma unidade prisional em Itaitinga, assim que soube das denúncias de que presos são torturados. 2) Transcreveu em sua decisão um trecho do que há de mais impactante sobre tortura em nossa literatura, extraído de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos: “Lembrava o eito, a senzala, o tronco, o feitor (…) o relho, a palmatória, sibilando, estalando no silêncio da meia-noite, chumaço de pano sujo na boca de um infeliz, cortando-lhe a respiração (…)”.