Poucos povos ocupam com tanta intensidade o imaginário popular quanto os Vikings. Em sentido literal, pertencem a um passado morto e enterrado, mas a valorização de características como a coragem e a bravura os transformou em personagens perfeitos em filmes e obras protagonizadas por guerreiros poderosos e invencíveis. Apesar de terem vivido ao longo de apenas três séculos, de 750 a 1050, esses bárbaros nórdicos mudaram o mapa político e cultural da Europa, gerando novas configurações de comércio, economia e técnicas de navegação que permanecem válidas até hoje.

Vikings – A História Definitiva
dos Povos do Norte
Neil Price | Ed. Crítica640 págs | Preço: R$ 89

Foi com o objetivo de desmistificar clichês e apresentar essa sociedade de maneira mais realista que o arqueólogo inglês Neil Price publicou Os Vikings – A História Definitiva dos Povos do Norte. A minuciosa pesquisa foi recompensada pela crítica: a obra foi apontada como o melhor livro do ano pelos jornais The Times e Sunday Times, ambos renomados periódicos britânicos. Com seu conhecimento profundo – ele é diretor do curso sobre o tema na Universidade de Harvard – e linguagem acessível, Price nos brinda com uma trama narrada, em alguns trechos, como se fosse uma saga. Esse formato, tão típico do período, combina elementos do dia a dia e relatos fantásticos, em que heróis se defrontam contra monstros e maldições de bruxas. Uma prova do encantamento que esse estilo invoca nos dias de hoje é o sucesso de produções contemporâneas como O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, e Game of Thrones, de George R. R. Martin.

Price dá duas possíveis explicações para a origem do termo “viking”: a palavra “vík”, vocábulo em nórdico antigo que designa uma baía do mar (seriam, portanto, o “povo da baía do mar”), e a região de Viken, no sudoeste da Noruega, de onde se acredita que vieram os primeiros invasores marítimos. Os Vikings, portanto, eram vistos como piratas ou saqueadores que partiam da região setentrional da Europa. Essa visão levou a versões póstumas distorcidas, já na literatura medieval. Uma das exceções é o poema Beowulf, que conta as aventuras do líder da tribo dos Gëatas – área correspondente a Suécia, hoje –, guerreiro que vence batalhas contra monstros terríveis e, coroado rei, mata um dragão durante uma luta que também lhe custa a vida.

Lobos e ursos

O sufixo wulf (lobo), em Beowulf, dá sinais sobre a relação dos vikings com os animais. A maioria das pessoas era vista “apenas” como seres humanos, mas alguns indivíduos, em circunstâncias especiais, tinham a capacidade de alterar sua forma. Homens geralmente assumiam a identidade de grandes predadores, lobos ou ursos, enquanto as mulheres tinham afinidade com criaturas aquáticas, como focas e peixes. Ou seja: uns eram bons carpinteiros ou empunhavam bem a espada; outros eram capazes de se transformarem em ursos quando estavam irritados.

Apesar de serem criativos e inovadores, é difícil dissociar os Vikings de suas aptidões mais afluentes, a arte da guerra e o conhecimento tecnológico aplicado à navegação. Em uma época extremamente violenta, cruzavam os mares do Norte em busca de riquezas ou de um novo lar. Em uma das sagas mais famosas, Gudríd, a mulher mais viajada do mundo, estava grávida quando desembarcou na Groenlândia. No ambiente gelado deu à luz Snorri, a primeira criança europeia nascida nas Américas. A mentalidade desses viajantes representou um avanço multicultural, uma vez que a experiência era vista como positiva, pois ampliava a perspectiva dos indivíduos. O autor equilibra a vocação desses poderosos guerreiros com elementos como a sabedoria, a generosidade e a reflexão. Para quem está acostumado a ver apenas as batalhas sangrentas, exibidas nos filmes e nas séries, não deixa de ser uma surpresa fascinante.

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