O mundo da força bruta para resolução dos conflitos mudou e parece não ter mais volta. Da invasão do Iraque em 2003, quando a operação liberdade foi lançada para depor o presidente Saddam Hussein, à invasão do Afeganistão em 2001, para depor o governo do Talibã, os norte-americanos passaram por longo aprendizado cujo resultado final foi, incontestavelmente, ultrajante: a maior potência militar do mundo foi obrigada a bater em retirada deixando pelo caminho armamentos, equipamentos e até os aliados. A guerra da Síria, por exemplo, é uma demonstração cabal da impotência da força das armas para impor a vontade a um povo e seu país. Mais de dez anos e quase seiscentas mil vítimas depois, e com quase todas as potências envolvidas – inclusive, e de novo, os EUA, o resultado até aqui, foi tão somente morte e flagelo dos civis, destruição da infraestrutura e uma instabilidade ampla geral e irrestrita em toda região.

Todas as potências militares em conjunto não conseguiram até agora vergar sequer um minúsculo país do Oriente Médio, e muito menos finalizar a guerra e impor e promover uma paz duradoura. A invasão da Ucrânia pela Rússia parece ser o último dos episódios dessa natureza. O mesmo direito que a Rússia reivindica de proteger seus territórios na fronteira com a Ucrânia, como uma zona tampão e uma bucha de canhão, é o mesmo direito que ela não reconhece da autonomia dos povos e do principio da integridade territórial como pressuposto a soberania. Ou seja, os ucranianos têm o direito legítimo de decidir de forma livre e soberana o seu destino e inclusive associar-se a OTAN, se assim o desejarem. A Rússia pretendeu pela força subjugar os ucranianos. Nesse caso, esqueceu a própria formula que ajudou a construir, isto é, combinar com os russos.

Esqueceu-se de aprender com os norte-americanos, no Iraque e Afeganistão e, principalmente, esqueceu-se de combinar com o resto do mundo, sobretudo na esfera digital. Além de haverem perdido a batalha da narrativa da guerra justa, pela assimetria das forças e violência da agressão, agora está conhecendo a força das redes sociais que além da mudança da opinião está obrigando a Europa a descer do muro e constrangendo até aliados a deixarem de assinar embaixo da injustificável invasão e agressão.

As sanções econômicas e políticas e a pressão e o repúdio mundial, além de deixar a Rússia numa sinuca de bico sobre o que fazer com a Ucrânia depois da ocupação, periga de produzir um efeito bumerangue com a possibilidade de ejetar Putin do poder. Sem a Ucrânia domada e adocicada, com a Europa mostrando os dentes, os Estados Unidos com ânsia de retaliação e o público interno com o cinto mais apertado, a criatura pode virar contra o criador. O mundo mudou, e alguém precisa avisar os russos.