Governador de Goiás por dois mandatos consecutivos, Ronaldo Caiado, 73, deve deixar o governo estadual em 2026 e seus correligionários já começam a especular que ele pode vir a disputar novamente a presidência da República. Afinal, em 1989, como líder da barulhenta União Democrática Ruralista (UDR), ele foi candidato a presidente, mas fez menos de 1% dos votos.

Nessa época, ele rivalizava com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), coordenado por João Pedro Stédile, a primazia pela posse da terra.

De uma família de grandes produtores rurais, Caiado destacou-se na política como deputado federal por cinco mandatos, além de senador, sempre na defesa dos interesses da agropecuária nacional e foi um dos fundadores da bancada ruralista.

Em entrevista à ISTOÉ, Caiado posicionou-se como o maior crítico da Reforma Tributária, afirmando que a criação do Conselho Federativo que vai definir como os impostos serão distribuídos vai beneficiar a União e trazer enormes prejuízos aos estados e municípios.

Para ele, os governadores podem se transformar em meros recebedores de mesadas ou em modestos ordenadores de despesas.

Tomo como verdade aquilo que o secretário do Ministério da Fazenda, Bernard Apyy, responsável pela reforma no governo, tem dito. Se considerarmos que o custo Brasil hoje se torna cada vez mais pesado sobre as empresas, isso não ocorre por responsabilidade dos municípios, dos estados e sim pela União. Ela cobra de todos nós e arrecada R$ 1,4 trilhão, enquanto os estados e municípios arrecadam R$ 960 bilhões. Então, com esse valor arrecadado, a União se propõe a entrar na Reforma Tributária com apenas 20% e, o que é pior, quer criar o Conselho Federativo, que será o órgão responsável por gerenciar e distribuir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o tributo que unificará o ISS (municipal) e o ICMS (estadual). Primeiro, esse conselho a ser criado por uma emenda à Constituição desrespeita uma clausula pétrea dos entes federados, solapa as prerrogativas dos estados e municípios, concentra poder em uma comissão em Brasília, e só depois vai fazer a distribuição do bolo arrecadado, dizendo que a partir daí ela vai saber compensar os estados e municípios nas suas perdas e, ao mesmo tempo, distribuir recursos de um fundo de desenvolvimento para que os estados possam continuar a crescer.

Esse conselho federal é que vai dizer o que os estados deverão fazer com o dinheiro dos impostos arrecadados?
Sim, esse conselho vai garantir que os estados crescerão, no mínimo, de acordo com os índices da inflação. Para se ter ideia, hoje o Centro-Oeste cresce o dobro do Brasil. A região cresce 6.2% e o Brasil 2.9%. Então, seremos obrigados a crescer menos do que poderíamos? Outra coisa. Não somos um estado consumidor, porque temos apenas sete milhões de habitantes. No entanto, temos uma safra de 32 milhões de toneladas de grãos. Ora, isso será altamente penalizador ao estado de Goiás. Se Goiás e o Centro-Oeste não tivessem uma política de incentivo como temos, o Mato Grosso do Sul não teria hoje a maior estrutura do mundo em produção de celulose e nem Goiás teria a maior indústria brasileira de farmoquímicos em Anápolis. Essas são apenas duas referências para mostrar que isso deveu-se à capacidade dos governadores e dos prefeitos desses estados que viabilizaram esses polos industriais. Apesar da importância do ponto de vista político e econômico, as pessoas fazem vistas grossas para essas situações e adotam critérios extremamente populistas para dizer que farão compensações com o cashback.

“Bernard Apyy quer criar o Conselho Federativo para distribuir os impostos arrecadados, mas esse órgão solapa as prerrogativas dos estados e municípios” (Crédito: Ana Paula Paiva)

O sr. é contra o cashback?
Estão dizendo que vão devolver a carga tributária das pessoas que pagarem impostos além do que deveriam. Ora, então por que não isentam a cesta básica? Isso é o correto. Não tem porque tributar a cesta básica. Falam em devolver dinheiro para as pessoas que estão no cadastro único, pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Então, as pessoas que ganham hoje um pouco mais do que um salário mínimo serão tributadas? A classe média brasileira será a mais tributada? Eles vão acabar por fazer um movimento no Brasil onde as pessoas desejarão ir para a informalidade para estarem no cadastro e assim receberem o cashback? Então, são atitudes que não tem nada a ver com a Reforma Tributária. O mais absurdo é que tiram os nossos incentivos e se estimula a compra do carro popular. Quer dizer, a gente não pode dar incentivos, mas o governo federal pode?

O governo está querendo cortar R$ 600 bilhões de incentivos fiscais para os estados. A Zona Franca de Manaus, por exemplo, vai acabar?
O Bernard Appy diz o seguinte: alíquota neutra vai ser de 25%. De repente, vamos ter o IVA dual. Aí vamos ter o IBS e o CBS, e, agora, ele está dizendo que o IBS não vai ultrapassar os 30%. Somando esse valor ao CBS, vai dar quanto? Qual vai ser esse patamar? Se você não tem uma alíquota, não tem uma simulação para chegar a isso, como é que ele deseja simplesmente anular tudo o que já fizemos, sem que se possa simplificar o que já temos, para implantar outro modelo. Já tenho dito isso. Não posso eu, sendo eleito e tendo responsabilidade com o crescimento do meu estado, simplesmente admitir que serei amanhã submetido a um conselho federativo que terá representantes de todas as unidades federativas para dizer a mim qual é a mesada que vou receber. Se vou receber ou não a participação do fundo de desenvolvimento de compensação, ou se eu vou ficar numa situação de receber mesada e me transformar num simples ordenador de despesas.

O sr. teme o enfraquecimento dos estados?
Essas são decisões de quem realmente governa o estado e elas não são prerrogativas da União. Temos aí duas vertentes. Uma vertente de poder e que implica na diminuição da força dos entes federados e isso precisa ficar bem nítido: haverá uma concentração de poder na União e, sem dúvida, ela será beneficiada nesse processo. É um processo preocupante, que não diz respeito apenas ao meu mandato, diz respeito a princípios. Se eu tivesse uma visão egoísta, e não tivesse vivido tanto tempo no Congresso, poderia até estar entrado nessa história da carochinha e acreditar que em 2029 é que isso vai começar a ser implantado, quando eu já estiver fora do governo. Não é isso. Estão ferindo de morte os entes federados e nós não podemos admitir tal fato.

O sr. defende que a reforma não seja votada agora?
Exatamente. Acho que a reforma não deveria ser votada agora. É inaceitável que o texto de uma matéria tão relevante, publicada só há uma semana, já entre na pauta agora. É um absurdo, é uma afronta, é um tratoraço, que ninguém deveria aceitar. Eu não posso admitir que eu tenha sido eleito pela vontade popular para o meu segundo mandato e agora ser submetido a uma situação como esta. Ela é degradante para qualquer ocupante de cargo executivo nos estados e municípios, e concentradora de poder na União. Se tivesse lógica, seria o que todo mundo diz: menos Brasília e mais Brasil, mas o que estamos vendo é totalmente o contrário.

Mas o IVA já existe em vários países…
Dizem que o IVA existe isso em condições maravilhosas em outros países. Então, pedi para a minha assessoria procurar e não encontramos nenhum país que tenha implantado o IVA e que tenha aumentado empregos e muito menos a arrecadação.

Afinal, o senhor é a favor da reforma?
Sim, mas não essa que está aí. É importante que isso seja dito. Só acho que tem que ter um por quê. Primeiro, não entendo um governante que quer governar com as mãos dos outros. Para ser governador, eu primeiro preciso dar o bom exemplo e eu pedir aos prefeitos que respeitem o dinheiro público, que o apliquem corretamente, tendo como prioridade a Educação, Saúde e Segurança. Não queremos fazer cortesia com o chapéu dos outros. Se queremos reduzir a carga tributária deveríamos, primeiro, fazer uma reforma administrativa, mas essa ninguém quer discutir, é um lobby ímpar. E outra coisa, essa reforma está gerando desconfiança. No meu estado, as indústrias farmoquímicas já estão deixando de investir por não saber o que vem por aí. Essa insegurança é preocupante. Esse quadro vai durar quantos anos?

“O Brasil já cansou dessa polarização. Se continuarmos nessa posição conflituosa, vamos acabar provocando uma guerra de secessão. O momento é de pacificar o País” (Crédito: Nelson Almeida / AFP; Evaristo Sa / AFP)

O sr. acha que o plano safra de R$ 356 bilhões anunciado pelo governo é suficiente ou não passa de uma maneira de atrair o agronegócio. É um mea-culpa de Lula?
Infelizmente, o governo ficou, num primeiro momento, meio acuado com a situação do 8 de janeiro. Mas, entendo que o presidente hoje já tem uma noção clara de que a maioria da população já não agüenta mais essa discussão, já cansou dessa polarização. Acho que as pessoas querem é entender como o governo vai mudar a vida delas. Acho que se continuarmos nessa posição conflituosa, vamos acabar provocando amanhã um clima em que será instalada uma guerra de secessão. É preciso que todos entendam que é necessário baixar a guarda. O momento é de pacificar o País. Na questão agrária, por exemplo, não podemos admitir invasões de terra, não podemos admitir que ninguém se sobreponha às leis. Agora, devo reconhecer que o plano safra deste ano superou qualquer expectativa.

O sr. acredita que a inelegibilidade de Bolsonaro pode reduzir a polarização no País?
Acho que não tem mais o porquê ficar numa queda de braço. Então, agora é a hora da maturidade e da firmeza de governar. Temos que lutar contra a corrupção e ter coragem de enfrentar um tema difícil, que é sobre o avanço das facções criminosas que têm dominado nosso País. Elas estão tomando conta dos estados, não só do ponto de vista de extorsão, mas estão num estágio de poder para eleger um deputado ou um governador. Já vemos essas facções bancando advogados, juízes e acho que é hora de discutirmos esse assunto seriamente. Estamos vendo o quanto a nossa juventude está sendo destruída e o quanto realmente a insegurança está crescendo.

O que o sr. acha das propostas que objetivam rever algumas reformas feitas no passado, como a trabalhista, do ensino médio, do marco do saneamento, e a privatização da Eletrobrás?
Talvez seja aquele período febril em que você fala sem pensar. Com a temperatura alta, você começa a falar de forma desconectada, mas agora a febre já passou e a gente não pode viver com essa insegurança, de agora privatiza e depois desprivatiza. Isso só aumenta a insegurança jurídica no País.