Pesquisadores da Universidade de São Paulo criaram um papel que acusa a presença e a quantidade do agrotóxico carbendazim em frutas e verduras. Desenvolvido por integrantes dos institutos de Física e Química do campus de São Carlos, a invenção se configura bem acessível. “Pode ser relevante para verificar as consequências da liberação de pesticidas, inclusive para tranquilizar a população com relação à garantia da qualidade dos alimentos produzidos no Brasil”, declara Thiago Serafim Martins, pesquisador e pós-doutorando no IFSC/USP, reconhecendo a relevância da universidade pública em atender as demandas da sociedade. A pesquisa publicada no periódico Food Chemistry diz respeito ao fungicida específico, mas ele explica que a tecnologia pode ser ampliada para identificar outros elementos perigosos: “É importante destacar que o sensor pode ser adaptado para diversas finalidades.”

Quanto ao carbendazim, esse é altamente tóxico e potencialmente cancerígeno e, assim, a venda de defensivos químicos que o contêm foi proibida pela Anvisa em agosto do último ano. O princípio ativo está entre os 20 mais comercializados no País, e sempre foi empregado em culturas de citros e cereais, que agora poderão ter suas amostras testadas com mais eficácia. Isso porque o funcionamento da máquina não tem segredo: o papel kraft (pardo) é poroso, o que permite a deposição por impressão de eletrodos de carbono condutores de eletricidade. Em contato com os eletrodos, o carbendazim gera uma reação eletroquímica, modificando a corrente elétrica que flui pelo aparelho. A variação é então quantificada, o que permite determinar o nível do fungicida: “Como em qualquer medida com sensores, há uma concentração mínima abaixo da qual não se consegue acusar o pesticida. A menor concentração detectável com nosso sensor é 0,06µmol/L, com margem de erro comparável àquelas obtidas em análises convencionais de laboratório”. Com a diferença que a inovação une acessibilidade, rapidez e simplicidade.

Bel Coelho, chef do restaurante Cuia, enxerga a importância da tecnologia: “Ela é uma ferramenta interessante de autonomia, para não ficarmos às cegas com relação ao consumo de hortifruti.” Segundo análise da plataforma de dados Statista, o Brasil ultrapassou a China e é o segundo maior consumidor de defensivos do mundo desde 2020, atrás apenas dos Estados Unidos. De 2019 a 2022, mais de duas mil substâncias foram aprovadas para uso em plantio, de acordo com o Ministério da Agricultura. Após a farra da liberação do último governo e a iminente ameaça do Pacote do Veneno, projeto de lei que propõe o afrouxamento da legislação de agrotóxicos no Brasil, ainda não votado no Senado, é preciso fiscalizar o abuso dos produtos nocivos na produção agrícola: “Como a gente vai usar essa ferramenta para criar novas barreiras para os agrotóxicos é outra história. Precisa fazer esses estudos chegarem aos ministérios competentes”, diz Bel.

EM TEMPO REAL Reconhecimento imediato: o papel modificado com carbono e submetido a tratamento eletroquímico reage com a substância (Crédito:Divulgação)

O Programa de Análise em Resíduos de Agrotóxicos (PARA), por exemplo, não divulga novas informações sobre contaminação há quatro anos. “Essas análises convencionais requerem equipamentos caros, não portáteis, e a atuação de operadores especializados, não permitindo análise no campo ou num mercado”, lembra Martins, já que o método de medição atual se restringe a laboratórios, e é demorado e custoso, além de requerer a deterioração dos vegetais.

Com a novidade, a amostra poderia ser aproveitada para outros testes ou mesmo para alimentação, caso o resultado aponte ausência do agrotóxico. A partir do artefato, a indústria de alimentos e até um restaurante pode realizar a própria checagem, já que o resultado sai na hora e é verificado por meio de aplicativo. “Me interessaria muito”, confessa Bel.

ACESSÍVEL Barato e fácil de usar: o aparelho permite a medição, do campo ao restaurante (Crédito:Divulgação)