20/01/2023 - 9:30
O ano de 2023 começou com uma notícia que trouxe ânimo para quem tem a obesidade como diagnóstico. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou a liberação da primeira injeção para tratamento da doença crônica: a semaglutida 2,4 mg, com nome comercial de Wegovy. O medicamento revolucionário indica ao cérebro a sensação de saciedade, contribuindo para a perda de peso. A solução injetável deve ser administrada uma vez por semana sob prescrição, e, aliada a uma alimentação saudável e exercícios, pode resultar em significativo emagrecimento.

A semaglutida já era princípio ativo de outros medicamentos conhecidos no mercado brasileiro, como o Ozempic, injetável com dosagem máxima de 1 mg, e Rybelsus, de via oral. A diferença é que esses são usados para diabetes. O Wegovy, no caso, é o primeiro e único tratamento semanal exclusivo para obesidade e sobrepeso. Por isso, sua aprovação é comemorada por pacientes e comunidade médica. Nos Estados Unidos, ele é comercializado desde 2021 com efeitos consistentes: em estudos, apontou perda de peso corporal média de 17%, em 68 semanas. “Tem mais: uma em cada três pessoas perdeu 20% de seu peso. É uma revolução na história da medicina, pois é a primeira vez que uma medicação para obesidade tem resultado comparável a uma cirurgia bariátrica”, acrescenta o endocrinologista Lucas Costa Felicíssimo, membro da Endocrine Society.
No Brasil, a semaglutida no tratamento da obesidade é usada no formato off label – fora da indicação da bula. “Eu diria que esse é um off label respaldado cientificamente, porque a FDA [agência reguladora norte-americana] já a tinha liberado para esse fim. Então, se sabe pelas análises que é efetiva e segura”, destaca Felicíssimo. É o caso do economista Rodrigo Generali, 39 anos, que há um ano se viu com 130 kg, quadro de obesidade grave. A falta de disposição e as limitações preocuparam o morador de Jundiaí, município de São Paulo. “Me sentia cansado e era difícil levantar e sentar, pois os joelhos doíam. O corpo não acompanhava o pensamento”, conta. Sozinho, ele tentou dieta e atividades físicas, mas não teve sucesso. Tudo mudou quando buscou uma endocrinologista, que sugeriu o Ozempic. De abril até agora, foram 27 kg eliminados. “É um remédio caro. Gasto R$ 960 por mês, mas é um investimento e funcionou bem para mim”, comemora. “No entanto, fiz tudo com reeducação alimentar e exercícios, como natação. Não é só usar a injeção, a mentalidade tem que mudar. Além disso, tem efeitos colaterais. Nos primeiros meses, ficava empapuçado e com náuseas”, alerta. Generali é um exemplo de que a doença crônica deve ser tratada como tal.
Segundo dados da World Obesity Federation, existem 764 milhões de pessoas com obesidade no mundo. No Brasil, estima-se que 100 milhões tenham sobrepeso e 41 milhões convivam com a obesidade. Em uma sociedade que impõe padrões, a busca por drogas milagrosas alarma. Por isso, a ala médica frisa que a injeção que está por vir é recomendada para quem sofre da enfermidade. “Esse medicamento é para adultos com índice de massa corporal igual ou acima de 30, o que caracteriza obesidade. Ou para IMC maior ou igual a 27, que é o sobrepeso, na presença de comorbidade, seja ela diabetes, pré-diabetes, hipertensão, dislipidemia, apneia obstrutiva do sono ou doença cardiovascular”, explica a endocrinologista Mariana Mendes da Silva, do Instituto de Moléstias Cardiovasculares, de São José do Rio Preto, em São Paulo. “A semaglutida tem ação sobre a regulação do sistema gastrointestinal, retardando o esvaziamento gástrico. Além de atuar na modulação da secreção de insulina pelas células pancreáticas, aumenta a secreção de insulina dependente de glicose e age centralmente aumentando a percepção de saciedade no hipotálamo”, explica. “A aprovação dessa medicação é um marco importante no combate à obesidade, considerada uma pandemia.”
Também é um ponto para contestar o preconceito. Ter um remédio cuja finalidade na bula é obesidade e sobrepeso encerra o debate sobre quem já o toma para esse fim. A jornalista da capital paulista Paula Angelo, 36, eliminou 15 kg em oito meses de tratamento após anos brigando contra o peso por problemas na tireóide. Ela passou por diversos especialistas e tentou medicamentos, como a sibutramina. “Sempre fiz exercícios e tentava a reeducação alimentar. Mas meu corpo nunca respondeu na velocidade que deveria. Na pandemia, cheguei ao meu peso máximo: 82 kg. É muito, pois tenho 1,59 m”, detalha. “Fiz uma bateria de exames e apresentei pré-diabetes. Então, a médica indicou a semaglutida, o Ozempic”.

Assim como Generali, a Paula teve efeitos colaterais. Até hoje sente enjoos e episódios de intestino solto. No entanto, ela se mantém confiante no tratamento. Para ela, a aprovação da Anvisa é o primeiro passo para que outros tenham acesso à substância sem o estigma de que usam medicação fora da bula. “Vai tirar a impressão de que estamos desviando do uso correto para benefício de outra coisa. Eu já ouvi: ‘Você está impedindo que alguém que tem diabetes use o remédio só porque não consegue emagrecer’”, relata. “Além disso, é muito caro. Com essa liberação, pode ser que ele fique mais acessível”.
O valor final do novo remédio é aguardado por pacientes. A farmacêutica Novo Nordisk, responsável pela comercialização, tem um caminho burocrático pela frente. “Agora temos a validação do preço, um processo que demora, no mínimo, 90 dias. Depois, tem a importação e colocação nas farmácias”, informa Priscilla Mattar, diretora médica da empresa. A previsão é de que o Wegovy esteja disponível no mercado no segundo semestre, o que dará início a uma nova fase na guerra contra a doença. “Há anos isso é tratado de maneira incorreta, como questão de estética. Obesidade é uma doença crônica. Vamos fazer uma comparação com o diabetes. Você não diz para o paciente: tome o remédio por um mês e, quando a glicemia melhorar, você para’. Pelo contrário, precisa ser mantido. Funciona assim com a obesidade, que exige um tratamento em longo prazo”, finaliza Priscilla.
