Novo governo

Lula é um enxadrista da política nacional. Sabe, portanto, que o jogo contra a extrema direita não acabou com o apertado triunfo sobre Jair Bolsonaro. O petista fez questão de demonstrar ter entendido o recado das urnas ao declarar, no primeiro discurso como presidente eleito, que o resultado não era uma vitória do PT, mas de uma frente ampla que o impulsionou ao Palácio do Planalto e que não ficará apenas na fotografia. Pelo contrário, terá voz ativa no governo. Para demonstrar a disposição em rumar ao centro, o ex-sindicalista fez um novo aceno aos moderados, colocando Geraldo Alckmin na coordenação da equipe de transição, e planeja uma Esplanada dos Ministérios coberta por múltiplas cores, em vez de pintá-la de vermelho. Em uma sociedade ainda envolta pelo antipetismo, esses movimentos de Lula sinalizam aos eleitores e ao mercado que fará uma gestão de coalizão, como prometido durante a campanha, para, assim, pacificar os ânimos.

A escolha de Alckmin para a chefia da transição tem peso porque contrasta com a história — em 2002, por exemplo, foi o petista Antonio Palocci quem assumiu o posto e, depois, tornou-se o ministro mais influente da gestão. A entrega do cargo ao PSB, agora, indica a intenção do PT de abandonar o absolutismo. Para aliados do pessebista, o gesto reforça que ele não será um “vice decorativo”. Alckmin, aliás, começou a mexer as peças do tabuleiro antes mesmo de pisar em Brasília para o início da transição. De São Paulo, ligou para todos os 27 governadores eleitos para pregar o diálogo e se colocar à disposição para negociar os interesses dos estados. Já no DF, encontrou Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, e coordenador do grupo de Bolsonaro, e teve os primeiros diálogos sobre o Orçamento de 2023. “O trabalho da nossa equipe será norteado pelos princípios de interesse público, colaboração, transparência, planejamento, agilidade e continuidade dos serviços”, disse, nas redes sociais.
Alckmin não será o único player do PSB. Márcio França, ex-governador de São Paulo e derrotado na disputa do Senado deste ano, é bem cotado para assumir um ministério a ser criado: Indústria, Comércio Exterior e Serviços ou Transportes. O senador recém-eleito Flávio Dino tem a bênção de Lula para o Ministério de Justiça ou de Segurança Pública. O PT quer manter a liderança somente em pastas sensíveis. Na Economia, o partido torce para soluções caseiras, como Alexandre Padilha ou Fernando Haddad. A esperança é repetir a “fórmula de sucesso” de Palocci, que transitava bem pelo perfil político. “Um ministro sem interlocução com o Congresso e traquejo político repetiria os erros de Paulo Guedes”, avalia um petista, sob reserva.

O mercado, no entanto, ainda insiste em nomes mais palatáveis, como Pérsio Arida ou Henrique Meirelles. O Planejamento, que funcionará desmembrado da Economia, tem uma extensa lista de nomes na bolsa de apostas. São aventados, por exemplo, Haddad, Aloizio Mercadante, Gleisi Hoffmann, Wellington Dias e Rui Costa. Os políticos repetem-se entre outras possibilidades. Gleisi e Haddad são cogitados para a Casa Civil, órgão mais próximo da Presidência. “Todos sabem que Gleisi não foi bem avaliada no governo Dilma, mas Lula crê que, sob a liderança dele, ela poderia se sair melhor”, comenta um aliado da cozinha do ex-presidente. Rui Costa, por sua vez, é visto como uma boa possibilidade para o Ministério de Cidades por causa da experiência como governador.

Com os postos estratégicos separados, Lula tenta abrir o governo ao máximo para os aliados, ciente de que, em 2023, encontrará um País dividido, uma oposição estridente no Congresso e as contas públicas em estado calamitoso. Uma base forte é, portanto, vital para a governabilidade. Não à toa, figurões da política nacional estão no radar. Presidente do PSD, Gilberto Kassab é um deles. O ex-ministro atuou como um equilibrista durante a campanha: com o partido neutro, manteve um canal aberto com o petista e designou o vice da chapa de Tarcísio de Freitas, pupilo de Bolsonaro. Agora, o pessedista negocia a entrada formal na base aliada do futuro governo. É bem verdade que Kassab e Lula nutrem uma excelente relação e há convergências entre seus partidos. Mas há mais na mesa. Em troca de apoio, o PT estuda alocar Kassab no Ministério das Comunicações e chancelar a reeleição de Rodrigo Pacheco ao Senado.

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O MDB também figura na lista dos partidos que serão cortejados. Integrante da sigla, Simone Tebet é dada como um nome certo no governo. A senadora sonha com o Ministério da Educação, mas o PT deve posicionar a sul-mato-grossense na pasta que cuida da Agricultura. “Na campanha, Simone bateu muito na tecla de que o Meio Ambiente e o agro não precisam ser inimigos e incentivou a economia verde. Essa é a ideia que o PT quer vender”, pontuou um aliado de Lula, sob reserva. Emissários do petista acrescentam que, para atrair os emedebistas, pode-se oferecer à sigla o Ministério da Saúde, embora o acordo inicial seja a de que a pasta fique com o PSB, que aposta em David Uip.

Novos aliados

Além de construir novas alianças, o PT precisa garantir espaço às legendas que apoiaram Lula no primeiro ou segundo turno. A governadora do Ceará, Izolda Cela, que acaba de deixar o PDT de Ciro Gomes, está cotada para o comando da pasta da Educação. Nomes próximos ao ex-presidente apontam que a escolha valorizaria a educação do Nordeste, alvo de sucessivos ataques de Bolsonaro, uma vez que o estado ostenta excelentes indicadores: das 10 melhores escolas do Brasil nos anos iniciais (1º ao 5º ano), todas são cearenses. Além disso, Izolda tem experiência em gestão pública educacional, o que tende a garantir certa celeridade na apresentação de propostas inteligentes para o País.

O Meio Ambiente deve ficar sob o guarda-chuva da Rede. O plano “A” de Lula é colocar Marina Silva à frente do ministério. Ela se reaproximou do ex-presidente no segundo turno e, segundo avaliam aliados, estão desfeitas as rusgas pelo uso da máquina de desinformação pelo PT na campanha de 2014, quando a ex-ministra concorreu com Dilma Rousseff. Caso Marina decline, Lula pensa em chamar Izabella Teixeira, uma das principais referências em Clima e co-presidente do Painel Internacional de Recursos, plataforma político-científica do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Apesar da ansiedade, enquanto a transição se instala no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a infinidade de apostas perdurará. Lula planeja anunciar seu ministério apenas em dezembro. Quer, antes de apontar nomes, apresentar o plano de governo que tanto lhe é cobrado.