No Senado desde 2010, o líder do governo Lula no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), tem pela frente um dos maiores desafios de sua carreira: construir uma base de apoio no Legislativo para fazer avançar os projetos de interesse do Palácio do Planalto. Embora se diga confiante, reconhece que hoje o governo ainda não tem “quórum constitucional” para aprovar seus projetos e sabe que não será tarefa fácil reunir o apoio necessário. Diz que o “projeto de reconstrução do País” está aberto a “todos os partidos que quiserem participar”, admitindo que as legendas que vierem a integrar a base devem ser chamadas para a composição do governo. “É assim que se faz no presidencialismo de coalizão”, argumenta. Ele rejeita, contudo, o que chama de “barganha política” para viabilizar a aprovação das propostas econômicas, como o novo arcabouço fiscal, prioridade do governo a ser apresentado pelo ministro Fernando Haddad na semana que vem, após viagem à China. Em outra frente, o senador trabalha contra a abertura da CPMI dos Atos Golpistas de 8 de janeiro, articulada pela oposição, embora tenha se destacado em 2021 como vice-presidente da CPI da Covid. Para ele, não é o caso do Congresso investigar a depredação das sedes dos Três Poderes porque tanto a Polícia Federal como o Ministério Público trabalham a contento na apuração das responsabilidades pelos ataques.

A votação no novo arcabouço fiscal será uma das prioridades do governo no Congresso. Há riscos de que a proposta do governo não seja aprovada?
Não cogito a possibilidade de que o projeto não seja aprovado. Seria uma irresponsabilidade com o País. A nova âncora fiscal é fundamental para enfrentar o maior desafio que o Brasil e os brasileiros vivem no momento: a mais alta taxa de juros do planeta, de 13,75%. A nova regra fiscal é que vai dar condições para a redução gradual e segura da taxa de juros. Estou convencido de que teremos uma tramitação célere e que a aprovação da nova regra fiscal ocorrerá ainda no primeiro semestre.

Arthur Lira disse que pode entregar a relatoria do projeto do novo arcabouço fiscal ao PP. Isso preocupa o governo?
A nova âncora fiscal não é um projeto de governo. É um projeto indispensável para o País. Se não tivermos um ato de responsabilidade com as contas públicas, isso resultará em aumento da inflação e descontrole da taxa de juros, com estagnação do crescimento. É o tipo de matéria que não pode ser objeto de barganha política — é matéria de debate político. Estou convencido da responsabilidade dos presidentes das duas Casas, Arhur Lira e Rodrigo Pacheco, pela aprovação da proposta. A preocupação do governo com quem vai ser designado para a relatoria do projeto é zero.

Como vê as críticas de que a ala política do PT não tem apoiado o projeto do ministro Haddad?
Não existe essa divisão entre a ala ideológica, ala política ou ala institucional, como dizem. Somos um só governo, com um só objetivo: reconstruir o País. Cada um a seu modo está colocando uma peça, um tijolinho nessa obra enorme e de grande dificuldade que é a reconstrução nacional. Eu convivo semanalmente com o ministro Haddad, convivo quase diariamente com a presidente Gleisi Hoffmann e com o ministro Padilha. Todos estão imbuídos e concentrados no foco da reconstrução nacional.

De acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o governo Lula ainda não tem uma base de apoio para aprovar projetos no Congresso. Qual é hoje o tamanho da base governista?
De fato ainda não temos quórum constitucional, mas estamos trabalhando para conseguir. Numa rápida observação, no conjunto de partidos que apoiaram o presidente Lula no primeiro turno são mais de 150 parlamentares. Além disso, MDB e PSD, que integram o governo, têm juntos algo em torno de 85 parlamentares, o que já dá cerca de 240.

E o União Brasil tem mais de 50 parlamentares. Só aí já haveria quórum suficiente para a aprovação de projetos de interesse do governo.
O presidente Lula manteve Juscelino Filho, do União Brasil, no Ministério das Comunicações. O partido do ministro tem 59 deputados e dez senadores e ganhou três ministérios, mas mesmo assim se diz independente.
Primeiramente, temos que agradecer ao União Brasil. A primeira votação de interesse do governo ocorreu ainda antes da posse – a PEC da Transição. E naquele momento, o partido nos entregou votos que foram fundamentais. Então, estou muito tranquilo: estamos pavimentando a relação com os partidos de forma a alcançar a maioria necessária para garantir a governabilidade ao País.

O senhor espera atrair parlamentares do PP para votarem com a base do governo?
Há alguns partidos com os quais temos a disposição de conversar. Temos conversado com líderes do Republicanos no Congresso, a quem temos manifestado disposição de ter o partido na nossa base. Quanto ao Progressistas, o governo fez um enorme gesto quando toda a nossa base de apoio votou no presidente Lira para a presidência da Câmara. Temos feito, portanto, gestos de aproximação.

Existe a possibilidade de que no futuro o PP seja contemplado com algum ministério para vir a apoiar o governo?
É legítimo que os partidos que queiram integrar a base sejam chamados para a composição do governo. É assim que se faz no presidencialismo de coalizão. Depois da experiência fatídica das negociações com verbas do orçamento público que ocorreram durante o governo anterior, a história mostra que o presidencialismo de coalizão, compartilhando o poder com o parlamento, é a forma mais republicana de exercício do governo.

Em entrevista a ISTOÉ, Simone Tebet disse que a Reforma Tributária é a “bala de prata” para resolver os problemas fiscais do governo. Como equalizar os interesses da União, Estados, Municípios e de todos os setores empresariais?
Estamos muito otimistas com o andar da discussão que tem sido conduzida pelo vice-líder do governo na Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT), no grupo de trabalho da Reforma Tributária. É bem possível fecharmos uma coalizão que consiga congregar todos esses interesses. Se conseguirmos contemplar sobretudo as demandas do setor de serviços, estaremos próximos de encontrar uma solução. Estou convencido de que a gente consegue aprovar a Reforma Tributária até o final do ano.

Por qual das duas Casas do Congresso o senhor prefere que tenha início a discussão sobre a Reforma Tributária, já que há PECs sobre o assunto na Câmara e no Senado?
Onde for compreendido que o caminho é mais rápido. Na Câmara, há um trabalho que foi adiantado pelo deputado Paulo Teixeira (PT). E a Câmara é a iniciadora do processo legislativo. É natural, portanto, que, se a proposta estiver mais adiantada naquela Casa, ela avance por lá. Mas vamos optar por onde os consensos estiverem mais bem estabelecidos.

Alguns parlamentares do PL de Bolsonaro sinalizam com a possibilidade de apoiar projetos do governo no Congresso. Isso é possível?
Primeiramente, não se deve generalizar. Nem todos os parlamentares do PL são bolsonaristas ou fascistas. Alguns deles, por razões de ordem eleitoral ou política, se aliançaram ao PL, mas podem ter uma postura muito colaborativa conosco. No Senado, há vários parlamentares do PL com quem eu tenho uma ótima e exitosa relação. Cito o senador Eduardo Gomes e o senador Romário: eles têm espírito colaborativo e, independentemente de qualquer divergência partidária, colocam em primeiro lugar os interesses do Brasil. Estou citando dois de vários que, tenho certeza, vão contribuir com a reconstrução nacional.

O ex-presidente Bolsonaro segue no exterior, ainda sem data para retornar. O senhor acha que ele pode se tornar o líder da oposição?
Bom, primeiramente, é capaz de ele ser preso. Bolsonaro precisa responder pelos vários crimes que cometeu. Só de acordo com o relatório da CPI da Covid, as consequências penais dos seus atos podem levá-lo a 40 ou 50 anos de prisão. Durante a gestão Bolsonaro, o Ministério da Saúde deixou de aplicar 33 milhões de doses de vacina que poderiam salvar milhares de brasileiros. Além disso, Bolsonaro atentou contra a democracia durante seus quatro anos de governo, chegando ao ápice de orquestrar e arquitetar um golpe de estado, que foi incentivado, articulado e pensado por ele. Então, antes de pensar em liderar a oposição, ele tem que começar a responder pela sequência de crimes que cometeu. Com direito à ampla defesa e ao contraditório, o que ele e muitos do seu séquito não garantiram, por exemplo, ao presidente Lula.

Por que o senhor mudou de ideia em relação à CPI dos Atos Golpistas do Senado, já que inicialmente havia assinado o requerimento de abertura da comissão?
A situação hoje é totalmente diferente daquela que motivou a CPI da Covid, em 2021. Não havia nenhuma investigação em curso na Procuradoria-Geral da República, mesmo com 4 mil brasileiros morrendo por dia graças à omissão e à negligência criminosas do governo de então. Bolsonaro insistia em disseminar remédios falsos e atentar contra medidas sanitárias, como a obrigatoriedade do uso de máscaras, e mesmo assim nenhuma investigação era iniciada. A CPI da Covid foi um socorro, foi a “ultima ratio”, quando outras medidas de investigação não ocorriam. Ao contrário do que acontece agora, quando a Polícia Federal está funcionando, inclusive prendendo os articuladores e financiadores dos atos do 8 de janeiro.

O governo tem medo da CPI?
De forma alguma. O governo é vítima do que ocorreu no dia 8 de janeiro. Além disso, medo é uma palavra que esse governo não aprendeu a utilizar. Se tem algo que esse governo não tem é medo. Não queremos essa comissão instalada porque ela tem o objetivo de turbar as investigações em curso.

Como viu a acusação de que a Abin, no governo anterior, usou um programa de monitoramento ilegal de localização de pessoas?
Acho que isso precisa ser alvo de investigação, e o ambiente mais propício para isso deve ser a CCAI, que é a Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. Há indícios claros da utilização da Abin como aparelho político, repressivo e de bisbilhotagem, ofendendo direitos fundamentais.

Qual é a importância do presidente Lula viajar à China esta semana, depois de ter visitado Biden nos EUA? O Brasil deixa de ser pária internacional?
Nós temos um estadista de volta ao governo. O Brasil está retornando ao cenário global. Temos um presidente que coloca o Brasil como grande liderança latinoamericana. Lula esteve em fevereiro com Joe Biden, e agora está indo para a China com a maior comitiva de empresários da história das relações entre os dois países. No período do fascismo bolsonarista, o Brasil se tornou um pária global, e agora retorna para falar em igualdade de condições com os americanos e com os chineses. Em três meses, o presidente Lula já estabeleceu mais relações com os líderes mundiais do que nos últimos quatro anos.