Nuvens de poeira encobrindo batalhas sangrentas com centenas de guerreiros montados a cavalo podiam ser avistadas na Pérsia, Oriente Médio e Ásia por milênios. Nos intervalos das guerras, também se via disputas “amistosas” entre os guardiões dos reis, que usavam tacos compridos para rebater cabeças de inimigos em meio a carreiras e trombadas. No século 13, esse jogo chegou à Índia, que se consolidou como “o berço do polo moderno” – quando bolas de madeira já tinham substituído os crânios nas tacadas a gol. Conquistadores britânicos, que lá estiveram no século 19, replicaram o “rei dos jogos e o jogo dos reis” na Argentina. E foi justamente nesse país que as mulheres fincaram mais um marco na história do esporte, em abril de 2022: invadiram o tradicional campo de Palermo, em Buenos Aires, apelidado de “Catedral do Polo”, para disputar a primeira Copa do Mundo Feminina desse esporte.

“O polo é um estilo de vida”, diz Lucinha Junqueira, jogadora da seleção brasileira e a maior incentivadora das mulheres para sua prática. Famílias se deslocam aos campos – que têm o dobro de tamanho do futebol – aos finais de semana e chegam a tirar férias para acompanhar torneios na Europa e na Argentina. No Brasil, os times formados no interior de São Paulo contam com pais e filhos jogando lado a lado. Garotos já entram em campo aos oito ou dez anos, mas não se cogitava levar meninas para esse esporte, e sim para outras modalidades do hipismo, como salto e adestramento.

“Fomos melhor do que o esperado, porque elas nunca tinham saído do Brasil para jogar” Jorge Junqueira, técnico da seleção brasileira feminina de polo (Crédito: Agustin Marcarian)

Essa história mudou. Torneios abertos não são mais novidade na Europa e EUA, e as competições exclusivamente femininas nesses países já contam com jogadoras profissionais. A versão feminina da Copa do Mundo se atrasou 35 anos em relação à masculina, que teve sua primeira edição realizada em 1987, mas finalmente aconteceu. As argentinas foram campeãs ao derrotar as americanas, seguindo-se inglesas, italianas e brasileiras (únicas não profissionais no torneio), à frente das irlandesas.

Marco na história

As raízes familiares do polo no Brasil levaram Lucinha a jogar – e mais que isso. Montou há mais de uma década o Campo de Treinamento de Polo Feminino na sua fazenda em Guará, interior de São Paulo. Ela e Alice Meirelles, de Indaiatuba, foram verdadeiras pioneiras: “As meninas tinham vergonha de treinar onde só havia homens. Nem passava pela cabeça dos pais ‘polistas’ levar as meninas para treinar o esporte, como também era o caso do futebol. Hoje já temos cerca de 25 jogadoras, em seis times, treinando polo, em média duas vezes por semana, e participando de campeonatos.”

Não é como na vizinha Argentina, por exemplo, que tem arenas de polo enormes – que medem o dobro do tamanho dos campos de futebol – espalhados pelos parques, com meninos e meninas jogando juntos desde oito ou dez anos e até disputando torneios intercolegiais. Ou como nos EUA, quando a iniciação também é por volta dessa idade, igualmente com meninos e meninas treinando juntos. No Brasil, as iniciantes começam aos 16 anos, diz Lucinha. “Não começam na fase infantil, como os meninos. Fica difícil, porque atrapalham, até aprender. Antes, éramos apenas nós – as corajosas. Agora já se veem filhas de polistas jogando, e não apenas assistindo. Os pais encaram com mais naturalidade. Para nós, uma Copa do Mundo Feminina foi uma conquista muito grande. E a tendência é que o interesse cresça por aqui.”

Na Copa da Argentina, o técnico Jorge Junqueira manteve três jogadoras como titulares pelo Brasil (Sofia Junqueira, Camila Jordão e Duda Engler) e revezou a quarta vaga de titular (entre Lucia Junqueira, Ana Cardoso e Alice Meirelles). “A equipe foi melhor do que o esperado, porque as jogadoras nunca tinham competido fora do Brasil. Até pensávamos que íamos apanhar”, brinca o treinador. “Mas fomos melhorando a cada jogo, até vencer a Irlanda.”

Ricardo Mihanovich, representante da Argentina na Federação Internacional de Polo (FIP), diz que as mulheres jogavam em times mistos – três homens e uma mulher, porque não havia quantidade de jogadoras. “Hoje temos países com dez, 20, 30 mulheres, o que resulta em melhor nível de competição. As seis seleções que jogaram a Copa em Palermo escreveram parte da história do esporte. Há mais países interessados e já planejamos as próximas edições. A Copa do Mundo Feminina veio para ficar.”