01/04/2022 - 9:30
O governador João Doria é conhecido pela obstinação e pelo perfeccionismo. Seus dois mandatos bem-sucedidos, como prefeito e governador, mostraram um cuidado impecável com a gestão e os rituais que cercam a administração pública. Assim, caiu como uma bomba no meio político a notícia divulgada por seus próprios aliados próximos de que desistiria da candidatura presidencial na última quinta-feira, a dois dias do final do prazo legal para renunciar ao governo do estado.

O gesto dramático foi mais uma resposta às dificuldades que encontrava em seu próprio partido do que aos números modestos que apresentava nas pesquisas de intenção de voto (2%, segundo o último Datafolha). Doria teve uma trajetória meteórica no seu partido, e ganhou vida própria depois de ter a benção inicial de Geraldo Alckmin. Concorreu e venceu em prévias inéditas para a prefeitura e o governo de São Paulo. Repetiu o feito para disputar a cadeira presidencial. Mas isso criou um enorme desconforto entre alguns caciques da legenda, que se sentiram preteridos. O fato de Alckmin ter conquistado apenas 4,7% dos votos na última eleição também mostrava a dificuldade das antigas lideranças com uma necessária renovação.
Às vésperas do lançamento da candidatura presidencial, os sinais de isolamento do governador paulista prenunciaram até um golpe em sua candidatura, como o próprio Doria denunciou. O perdedor das prévias tucanas, Eduardo Leite, anunciou que ficaria na legenda com ambições nacionais. Com o apoio do grupo de Aécio Neves e a conivência do presidente Bruno Araújo, passou-se a ensaiar um movimento para derrubar a candidatura de Doria na convenção partidária que deve ser realizada até agosto. Além disso, o governador não tem maioria na executiva. A direção nacional também criava dificuldades para a equipe que preparava a campanha do tucano. A saída do publicitário Guilhermo Raffo, escolhido por Doria, foi um sinal disso.
Foi a senha para a virada. Na reta final para deixar o Palácio dos Bandeirantes, o governador comunicou ao vice Rodrigo Garcia na quarta-feira, às 17h, que desistiria da campanha presidencial e permaneceria no governo paulista até o fim do mandato. Isso abriu uma crise com Garcia, que assumiria o cargo no dia seguinte e já se preparava para disputar a sua sucessão no governo, e baratinou os aliados mais próximos. A reviravolta provocou uma tempestade de especulações e negociações nos bastidores. Mas serviu para enquadrar a direção do PSDB. Na quinta, Bruno Araújo divulgou uma carta aos principais líderes do partido defendendo o resultado das prévias pela primeira vez. “O governador tem a legenda para disputar a Presidência. E não há, nem haverá qualquer contestação à legitimidade da sua candidatura pelo partido”, afirmou. Isso mudou a dinâmica das negociações internas na sigla.
“O PSDB realizou prévias e o vencedor foi João Doria. Isso deve ser respeitado. Desrespeitar as prévias é golpe. Nosso partido precisa de unidade e não de eternas cizânias”, fez coro Arthur Virgilio, que disputou as prévias com Doria e Leite. Antes disso, nomes históricos do PSDB já tinham apoiado o governador. Fernando Henrique Cardoso tuitou três dias antes que as prévias haviam sido democráticas, portanto seu resultado precisaria ser respeitado. Os senadores José Serra e Mara Gabrilli divulgaram na sequência mensagens em apoio a Doria. O rompante do governador, que inicialmente foi considerado um temerário haraquiri político, se encaminhava no final do dia para um triunfo político contra adversários que há anos estavam inconformados com sua ascensão no partido.
Tudo isso pode mudar o cenário eleitoral. Na própria quinta, Sergio Moro deixou o Podemos e se filiou ao União Brasil. Como o novo partido tem na direção uma ala que vetou a candidatura presidencial do ex-juiz, tudo indica que ele concorrerá a uma vaga na Câmara. É o cenário dos sonhos para Doria, que nos últimos meses costura um acordo entre PSDB, MDB e União Brasil para ter um postulante único ao Planalto. O arranjo agora pode incluir o Podemos e o Cidadania, que se federou com os tucanos. Juntos, eles terão mais de 130 deputados e R$ 1,5 bilhão de recursos do fundo partidário para a campanha. Tão vilipendiada, a terceira via ganhou corpo.

Confirmada, a candidatura Doria agora pode seguir um roteiro cuidadosamente articulado. Ele já havia preparado seu comitê de campanha, na avenida Brasil, em São Paulo. Lá, elabora o programa de governo para a área econômica. À frente da equipe estará o economista Henrique Meirelles, responsável pela política econômica paulista que, em três anos de governo, desenvolveu o estado bem acima do crescimento do País. Na mesa, estarão as economistas de maior sucesso no mercado, Zeina Latif, Ana Carla Abraão e Vanessa Rahal Canado, que compõem a equipe, e o deputado Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara, que será o coordenador do plano de governo e que acaba de ingressar no PSDB.
No período de dois meses, quando os partidos aliados vão sacramentar a candidatura única (o prazo acordado é 31 de maio, e Simone Tebet, do MDB, também está no páreo), Doria definiu que irá viajar pelo País “em busca do eleitor”, adiantando que a prioridade será visitar todas as principais cidades do Nordeste, onde é menos conhecido. “Vou mostrar aos nordestinos que eles podem ter esperança de que vamos gerar os empregos que eles precisam”, disse o tucano, fazendo questão de salientar que não irá fazer demagogia na região. “Não é preciso ir vestido de cangaceiro para falar com o nordestino”.
Vencida a guerra nos bastidores, o governador precisará conquistar os eleitores. Ele se mostra resiliente. “Em 2016, eu estava com 1% das intenções de votos para prefeito de São Paulo a seis meses das eleições e venci no primeiro turno. Em 2018, tinha o mesmo percentual de votos de hoje e me elegi governador contra todas as lideranças tucanas que diziam que eu deveria desistir. Eu não desisto nunca”, diz.
O dia do fico do governador e o eventual triunfo na corrida presidencial pode desatar um paradoxo político. O governador fez uma gestão elogiada, inovadora e reconhecida até pelos adversários, mas amarga altos índices de rejeição. O seu partido tem em São Paulo, maior colégio eleitoral do País e estado que governa há 27 anos, a principal fortaleza. A mexida de última hora poderia implodir na prática o partido que fez o Plano Real e foi um dos pilares da redemocratização. Os próximos meses vão descortinar o destino desse legado.