16/12/2022 - 9:30
O diretor Alejandro Iñarritu chamou a atenção de Hollywood no ano de 2000, quando seu filme Amores Perros foi indicado como representante do México ao Oscar de produção estrangeira. Logo veio o convite para trabalhar nos EUA e, com isso, o reconhecimento: até 2016 ele havia levado para casa cinco estatuetas, em diversas categorias, pelas vitórias de Birdman (Ou a Inesperada Virtude da Ignorância) e O Regresso. Depois de alcançar o sucesso, como será que ele foi recebido ao voltar ao seu país de origem? O novo filme, Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades, transforma em imagens esse sentimento. É uma forte experiência imersiva, uma viagem a sua memória sensorial. Conta a história de Silverio Gama (Daniel Gimenez Cacho), mexicano que vive em Los Angeles e trabalha como diretor de documentários. Depois de ganhar um importante prêmio internacional, volta ao seu país de origem e, ao nele chegar, enfrenta uma crise existencial. Qualquer semelhança com a realidade não é apenas mera coincidência: Bardo é mais uma obra em que o cineasta busca refúgio na memória para exorcizar anjos e demônios.
A ideia não é nova. Desde que o cinema existe há diretores que tentam reproduzir o passado. Alguns deles com impressionante realismo, por meio de cenários e situações que poderiam servir quase como terapias cinematográficas. Alfonso Cuarón, conterrâneo de Iñarritu, foi um dos que se aventuraram em um projeto dessa natureza. Roma, de 2018, é ótimo relato sobre Cleo, empregada doméstica que trabalhou para uma família de classe média nos anos 1970. A personagem foi inspirada em uma profissional da família Cuarón, no tradicional bairro de Roma, na Cidade do México. O realismo da obra e sua bela fotogrtafia em preto e branco recriam com romantismo o período abordado, inclusive por meio das expressões idiomáticas da época.
Outros diretores, como Iñarritu faz em Bardo, optam por abusar das impressões subjetivas. Seguem a escola criada por Federico Fellini, o mestre do cinema memorial. O maior exemplo na sua vasta filmografia é Amarcord, título que remete à gíria italiana da região em que ele nasceu, a Emilia-Romagna – m’arcord significa ‘eu me lembro’. O cineasta revê sua vida familiar e a Itália dos anos 1930 por meio dos olhos de Titta, o protagonista. Mais um exemplo, agora vindo da Itália, é o sensível Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore. Seu protagonista Salvatore Di Vita, alter ego do diretor, recorda as memórias do garoto Totó, cujo amor pela sétima arte nasce ainda na infância, a partir da amizade com o projecionista do cinema de sua pequena cidade.
O segredo de Spielberg
A busca pelo passado também é tema do novo filme de Steven Spielberg, Os Fabelmans, que estreia em fevereiro de 2023. Em um bate-papo com o colega Martin Scorsese, ele admitiu a nostalgia que o trabalho lhe trouxe: “Não queria que as filmagens terminassem porque revivi um período incrível da infância. Sempre fui muito reservado sobre a minha vida privada e nunca trouxe a público minhas histórias, pelo menos até agora”, confessou Spielberg.
No enredo, um jovem descobre um segredo familiar devastador e usa o poder ficcional do cinema para tentar reverter a situação. Segundo o diretor, a ameaça causada pela pandemia e a morte recente dos pais o convenceram a levar a ideia adiante. “Eu não tinha nenhuma intenção de fazer esse filme e ficaria feliz em guardá-lo na gaveta. Mas a Covid-19 me deu muito tempo para pensar sobre isso e achei que que seria a hora de contar essa história”, afirmou. Spielberg revela que o empurrão que lhe faltava veio da mãe: “guardamos um segredo por muito tempo, e ela sempre me dizia: ‘Steve, por que você não faz um filme sobre isso algum dia?”. Não há incentivo melhor para voltar à infância que a vontade de estar com a família – ainda que seja apenas no escurinho do cinema.
Em algum lugar do tempo
Amarcord

O italiano Federico Fellini é considerado o mestre do cinema memorial: o personagem Titta é o alter ego do diretor em uma de suas obras mais emblemáticas
Os Fabelmans

O adolescente Sammy, protagonista do novo trabalho de Steven Spielberg: história do jovem cineasta foi criada a partir de um episódio familiar
Roma

A produção de Alfonso Cuarón que homenageia a empregada doméstica de sua família rendeu dois Oscars ao artista mexicano