14/04/2022 - 9:30

Na hora H, os franceses devem botar o pregador de roupa no nariz e ir às urnas para impedir a extrema direita de chegar à Presidência da República. Se a tradição for mantida, Emmanuel Macron será reeleito no próximo dia 24 e Marine Le Pen, em sua terceira “aparição”, como alguns analistas gostam de escrever, será derrotada mais uma vez. Mas o risco de o extremismo conquistar a segunda maior economia da União Europeia existe. Está justamente na possibilidade de alta abstenção no segundo turno das eleições. Por isso, a esquerda, que levou Jean-Luc Mélenchon a um surpreendente terceiro lugar, se mobiliza pelos votos contra a extrema direita. Uma vitória da candidata, que mantém laços com o presidente Vladimir Putin e é visceralmente contra imigrantes, não assusta apenas os franceses da centro-direita à extrema esquerda. Governos de países vizinhos, e mesmo dos EUA, estão em alerta: com Le Pen no comando, a França deixaria a União Europeia e o próprio futuro do bloco estaria em jogo.

No dia 10, o atual presidente, de origem socialista e considerado de centro, recebeu 27,84% dos votos contra 23,15% da candidata radical de direita (cerca de 9,7 milhões e 8,1 milhões, respectivamente). Os dois foram surpreendidos pela subida na reta final de Mélenchon, que apostou até em comícios simultâneos com hologramas, e chegou a 21,95% (7,7 milhões). Até agora, Macron havia se comportado mais como “presidente” do que como “candidato”, como observam seus críticos, cuidando mais da guerra na Ucrânia do que de seu país. Pelo sim, pelo não, ele resolveu fazer uma peregrinação exatamente no terreiro da rival: a “França profunda”, como são chamados os vilarejos conservadores, distantes dos centros urbanos. E desta vez não fugirá do debate — que pode ser decisivo —, marcado para a quarta-feira, 20.
De acordo com o IFOP (Instituto Francês de Opinião Pública, líder em pesquisa quantitativa e qualitativa desde 1938), o segundo turno será apertado, mas Macron se reelegeria com algo em torno de 52% contra 47%. Para o professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, os franceses devem optar novamente pelo voto útil no atual presidente, até mesmo para não estimular a extrema direita em outros países. O desafio será convencer os eleitores a irem às urnas.
O IFOP aponta que metade dos eleitores de Mélenchon poderia desistir do segundo turno, com o restante ainda se dividindo entre Macron e Le Pen.
Encerrada a votação de domingo passado, o esquerdista não chamou votos para Macron, mas convocou seus eleitores às urnas, recomendando que não dessem “um voto sequer” a Le Pen (ela poderia chegar a 30%, somando seus votos aos 7,07% de Éric Zemmour, mais os 2,06% de Nicolas Dupont-Aignan). Haverá chamamento às urnas para derrotar a união da extrema direita, ainda que a abstenção no primeiro turno tenha sido menor do que o esperado (do total de 48,7 milhões de eleitores, votaram cerca de 36 milhões, ou 74,86%). Os 7,7 milhões de votos da esquerda que foram para Mélenchon no primeiro turno serão determinantes no dia 24 para decidir os próximos anos da França — e mesmo da Europa.
Contra um “Frexit”
Aos que veem 2022 como replay de 2017, analistas retrucam. A questão não é mais de esquerda contra direita, porque partidos tradicionais vêm ficando para trás. Hoje, a confrontação é entre grupos progressistas pró-União Europeia (por um mercado mais globalizado) e nacionalistas (que inflam a extrema direita contra imigrantes, “culpados” pelo desemprego e piora do nível de vida). Le Pen quer “promover um Frexit”, como comparam os analistas franceses, reduzindo contribuições financeiras à União Europeia e retirando a França, com suas 50 usinas nucleares, da OTAN (a aliança militar encabeçada pelos EUA).
Para Goulart Menezes, o figurino de Le Pen é conhecido: “Uma fascista de carteirinha que moderou suas bandeiras, mas não as camuflou. Seu discurso ultranacionalista, que já funcionou na Inglaterra e EUA, é para regiões com forte desindustrialização, que perderam fábricas e lojas. Aliada de Putin, ela teve financiamento de um banco russo para a campanha e quer a saída da União Europeia. Prega contra africanos e orientais. Sem o passaporte europeu, indiretamente ela também avança contra portugueses e espanhóis, que serão considerados imigrantes.” Por isso, o professor acredita que os franceses optem “pelo campo democrático, entendendo que a extrema direita deve ser banida da vida pública”.