21/10/2022 - 9:30
Em uma das sessões de cinema que Jô Soares costumava organizar para amigos, o filme exibido foi Gaslight. O clássico de 1944, que rendeu o Oscar de melhor atriz a Ingrid Bergman, era a adaptação de uma das peças de maior sucesso da história da Broadway, escrita por Patrick Hamilton em 1938.
Ao final do encontro, na residência de Jô, o ator e produtor Giovani Tozi sugeriu: “por que não fazemos uma montagem aqui no Brasil?”. Nascia ali o que viria a ser o último projeto para teatro de Jô Soares, um dos maiores e mais completos artistas brasileiros. Essa semana, a peça se despede de sua temporada no palco do Procópio Ferreira, em São Paulo. Será a última gargalhada provocada por Jô no palco.
Acompanhado pela fotógrafa Priscila Prade, Tozi viajou a Londres para comprar os direitos da peça. Negociações como essa costumam levar um bom tempo, mas não foi o caso aqui: “Tudo se resolveu rapidamente quando os responsáveis souberam que a direção estaria a cargo de Jô”, lembra Tozi. O humorista também assinou a tradução, ao lado de Matinas Suzuki.

A pandemia atrasou a estreia e dificultou os ensaios externos, que passaram ser feitos no espaço que Jô mantinha em seu apartamento no nobre bairro de Higienópolis, em São Paulo. “Ele começava a direção ainda no papel, com anotações sobre as nuances do texto. Quanto tínhamos dúvidas, ele mesmo lia o roteiro, explicava as pausas e a comicidade das cenas”, afirma Tozi. Apesar do clima de mistério noir da trama original, Jô imprimiu seu estilo à montagem.
“Ele sabia ver humor em qualquer coisa, mesmo em um assunto sério. Achava que isso fazia o público refletir sobre o tema ao deixar o espetáculo”, afirma Mauricio Guilherme, que divide a direção com Jô. Ele conta que a última vez que falou com o humorista foi um dia antes da maquete do palco ficar pronta. “Quando liguei para combinar o horário da reunião em que iria apresentá-lo, soube que ele tinha sido hospitalizado.”
O diretor conta que ambos criaram juntos um show que seria encenado por Jô chamado I-Reality Show, uma crítica ao excesso dos programas de TV. “Não deu tempo de finalizá-lo”, lamenta.
O elenco formado por Tozi, Érica Montanheiro, Kéfera, Leandro Lima e Neusa Maria Faro torce para que o sucesso em São Paulo leve a peça a outras praças. Enquanto isso, Tozi confirma que Jô deixou ideias inacabadas, entre elas um livro e projetos de música e cinema.