Na iminência de chegar à Câmara, por onde iniciará a tramitação, a proposta do novo arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos, demandará intensa articulação política do Palácio do Planalto para superar as adversidades que Lula encontrará entre os deputados. O projeto já deveria ter sido enviado ao Congresso, mas esbarrou em um Legislativo esvaziado por conta do feriado da Páscoa e só será remetido aos parlamentares nos próximos dias. Longe de ter um quórum confortável de votos, o governo já começa a traçar estratégias para superar obstáculos à aprovação da medida, prevista para ser votada até o fim de maio, conforme projeções de líderes governistas. Uma das estratégias estudadas pelo Executivo é liberar emendas parlamentares, de preferência a congressistas que sinalizam apoio à matéria. Outra possibilidade colocada à mesa é a de negociar os cargos de segundo e terceiro escalão da Esplanada dos Ministérios e que até hoje são blindados pelos petistas. O presidente também não descarta autorizar que ministros retornem ao mandato parlamentar às vésperas da votação. Auxiliares políticos do Planalto afirmam que ter os ministros circulando pelos corredores e plenário da Câmara poderá ajudar o governo a virar votos de opositores e convencer parlamentares ainda reticentes com a proposta.

Hoje, sete titulares de pastas na Esplanada dos Ministérios são deputados federais licenciados do mandato. Entre eles, está Alexandre Padilha (Relações Institucionais), um dos principais nomes na articulação de Lula com o Congresso. A lista ainda inclui os petistas Luiz Marinho e Paulo Pimenta, assim como Marina Silva (Rede-SP), Sônia Guajajara (PSOL-SP) e os deputados Juscelino Filho e Daniela Carneiro, da bancada do União Brasil. Além de reunir mais votos para o governo, Lula pretende testar a fidelidade do União Brasil (que tem três ministérios). Afinal, muito se fala que nem todos os 59 deputados da bancada do partido presidido por Luciano Bivar votarão com o presidente da República. Caso a unidade não aconteça, o governo pode vir a rever a posição da legenda na base aliada. A votação do arcabouço fiscal, portanto, é vista como “prova de fogo” para que as bancadas entreguem todos seus votos ao presidente e, assim, garantam a sobrevivência no governo.

RECEITAS Haddad precisa arrecadar mais para sustentar o novo arcabouço fiscal: governo testa sua força na Câmara (Crédito: Igo Estrela/Metrópoles)

A manobra está longe de ser inédita e foi, inclusive, experimentada pelo próprio presidente nas eleições das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. À época, o petista queria se certificar da reeleição de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Lula também autorizou que os ministros retornassem ao Congresso para eleger Jhonathan de Jesus, do Republicanos, como ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). A candidatura do deputado foi apoiada em um movimento para derrotar a bolsonarista Soraya Santos (PL-RJ). Ainda no início do governo, quando não havia batido o martelo sobre a composição dos ministérios, Lula foi alertado por aliados de longa data de que possivelmente seria preciso promover idas e vindas dos ministros ao Congresso para mostrar força. O temor era, e é agora, de que a falta de apoio em um Parlamento mais conservador provoque derrotas políticas expressivas, com repercussões até mesmo na gestão do governo. Além disso, os líderes políticos da base externam preocupação com o enfraquecimento das bancadas governistas em votações decisivas não só da nova âncora como também de projetos como o da Reforma Tributária em gestação na Câmara.

Lula acha que com ministros por perto, o governo poderá acompanhar negociações por mudanças na redação do Ministério da Fazenda para a proposta. O PT sabe que dificilmente o texto não sofrerá alterações durante a tramitação e trabalha junto a Lira na definição de um relator mais alinhado ao Executivo. Já é certo, no entanto, que ele virá do Centrão, mais especificamente do PP. Hoje, os cotados pelo partido para a relatoria são os deputados André Fufuca (MA), Fernando Monteiro (PE), Júlio Lopes (RJ) e Cláudio Cajado (BA). O deputado baiano desponta como favorito. “Sabemos que certamente a proposta não sairá do Congresso do jeito que entrou. Mas o governo está otimista de que, em linhas gerais, o projeto será aprovado. A receptividade tem sido muito boa, inclusive entre parlamentares de oposição e independentes. É uma proposição que demonstra preocupação real com controle das despesas e com a qualidade desses gastos, e, ao mesmo tempo, viabiliza recursos tão necessários para políticas sociais e investimentos”, avalia o senador Humberto Costa (PT-PE).

Haddad mira oposição

Com o projeto de nova âncora pronto para ser dissecado no Congresso, a oposição tem dado recados ao governo de que será preciso mais do que uma boa disposição do Planalto em negociar alterações na proposta. A maior crítica dos opositores a Lula é de que a proposição não traz garantias concretas de que as metas contidas na proposta são passíveis de serem cumpridas. Diante disso, Haddad tem procurado mostrar aos críticos que o Ministério da Fazenda trabalha para apresentar projetos que ampliem a receita da União e com isso dêem sustentação ao plano de eliminar o déficit público. O ministro estima ser necessário aumentar entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões a arrecadação. Para isso, mira três medidas: taxação do e-commerce, especialmente os produtos chineses e outros que chama de “contrabando”, e que pode render R$ 8 bilhões aos cofres públicos; anunciou a taxação do mercado de apostas eletrônicas, que podem arrecadar R$ 12 bilhões; e, o que é mais importante, proibir que empresas com incentivos fiscais concedidos por estados consigam abatimento de crédito da base de impostos federais, com a perspectiva de captar outros R$ 85 bilhões. Assim, conforme projeções do ministro, será possível zerar o déficit em 2024, e obter superávits em 2025 e 2026.