Ex-embaixador, Rubens Barbosa representou o Brasil em Londres, na Inglaterra, e em Washington, nos Estados Unidos, entre as décadas de 1990 e 2000. Nesse período, viu o País aumentar sua influência externa e fortalecer seu papel como líder da América Latina. Por isso, foi com preocupação que acompanhou os últimos anos recheados de percalços da diplomacia brasileira sob o comando da ex-presidente Dilma Rousseff. A escolha de uma política norteada por princípios ideológico-partidários, e nada voltada aos interesses do Estado brasileiro, levou o Brasil a um certo ocaso diplomático e a um atraso na cena comercial internacional que provocou prejuízos importantes para a Nação. Agora, aos 78 anos e à frente de uma consultoria em São Paulo, ele está otimista. Acredita que a posse de Michel Temer como presidente da República confirmará a mudança de direção nas posições brasileiras que vem sendo adotada desde o início do governo interino, quando do afastamento de Dilma, em maio. “O Itamaraty será revigorado”, diz o diplomata. Ficaram para trás os tempos em que o País foi chamado de ‘anão diplomático’ – em um incidente com o governo israelense ocorrido em 2014 – e de isolamento no dinâmico mercado de negócios e investimentos internacionais. Mas, para resgatar sua credibilidade e se credenciar a um assento no Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas – um pleito antigo -, precisa, primeiro, colocar a casa em ordem. É o que diz nesta entrevista à ISTOÉ, concedida na manhã da quarta-feira 31, enquanto se desenrolava, em Brasília, o último ato do processo que encerrou os treze anos da era PT no comando do País.

“Logo no primeiro dia do ministro José Serra à frente do Ministério das Relações Exteriores ficou claro que acabou a influência partidária na política externa”
“Logo no primeiro dia do ministro José Serra à frente do Ministério das Relações Exteriores ficou claro que acabou a influência partidária na política externa” (Crédito:Foto: Alan Marques/Folhapress)

Com o novo governo, o que muda nas políticas de relações externas e comerciais do Brasil?

Logo no primeiro dia do ministro José Serra à frente do Ministério das Relações Exteriores, ainda no governo interino de Michel Temer, ficou claro que acabou a influência político-partidária na política externa. Esse foi um dos principais problemas experimentados nos últimos treze anos e norteou não só a política externa, mas também as negociações comerciais do País.

Quais os prejuízos ocorridos em razão dessa postura?

Quando o PT chegou ao poder, em 2013, trouxe uma nova visão de mundo para a política externa e econômica. Ela tinha alguns pressupostos. O PT achava que os Estados Unidos estavam em decadência, que a globalização estava terminando e era negativa para o Brasil e que o País deveria mudar o eixo da dependência comercial dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. A relação com os países desenvolvidos passou para um distante segundo plano. A integração regional foi focalizada dentro de um aspecto político-partidário ideológico. O Brasil se filiou ideologicamente à Venezuela, ao Equador. E o resultado foi muito negativo.

Em que sentido?

O País perdeu sua identidade, sua voz no exterior. O Itamaraty, por sua vez, perdeu para a assessoria internacional do Palácio do Planalto o papel central na formulação da política externa, sobretudo para a América do Sul. A diplomacia não era uma prioridade para o governo brasileiro, em especial na administração da ex-presidente Dilma Rousseff. A outra consequência foi o isolamento do Brasil nas questões comerciais e a gradual perda da sua posição no comércio internacional.

Isso pode ser medido de que forma?

Nos últimos treze anos, no âmbito do Mercosul, foram assinados três acordos comerciais de baixa relevância enquanto o mundo assinou mais de 400 contratos. O Brasil perdeu o contato com o fluxo dinâmico do comércio e pendurou todas as suas expectativas na negociação multilateral da rodada de Doha, quando se sabia que isso não avançaria. O País se isolou dessas negociações, que passavam a ser muito dinâmicas, com mega acordos comerciais sendo firmados, e deixou de ter participação relevante na definição dessas regras.

Em relação ao Mercosul, o que deve acontecer?

O Brasil terá uma posição mais assertiva para revigorá-lo e fazer com que ele volte às suas origens.

Por que o senhor afirma que houve um desvirtuamento de sua missão inicial?

O tratado de Assunção (que deu origem ao bloco sul-americano) prevê a liberalização comercial e a abertura de mercados para os países membros. Desde 2003, os governos do Brasil, da Venezuela e da Argentina procuraram dar ênfase maior ao Mercosul social e político, deixando de lado as negociações comerciais. O resultado foi a total paralisia do bloco.

O senhor acredita que o Brasil se manterá contrário à Venezuela assumir a presidência do bloco, em 2017?

Estamos em conversa com o Uruguai para tentar ter uma posição de consenso, pela qual a Venezuela seria suspensa do Mercosul por não ter cumprido os compromissos assumidos depois de mais de dez anos no protocolo de adesão.

O País foi criticado por silenciar em relação aos abusos contra a democracia e o desrespeito aos direitos humanos na Venezuela. Haverá mudança partir de agora?

Esta será uma das grandes transformações. O ministro José Serra tem recebido todos os parlamentares venezuelanos que vêm ao Brasil, ao contrário do governo anterior, e feito críticas muito fortes às barreiras contra a democracia e ao respeito dos direitos humanos naquele País. O Brasil parou de evitar fazer críticas e, de certa forma, de referendar o governo de Nicolás Maduro. O governo de transição ofereceu ajuda concreta ao governo venezuelano por razões humanitárias, e deixou de silenciar em relação aos abusos que estão em curso tanto na questão da democracia – há um claro desequilíbrio lá porque o poder executivo sufocou os poderes legislativo e judiciário – e em relação aos direitos humanos, com a prisão de opositores políticos e a repressão.

É uma forma de o País retomar o protagonismo na América Latina?

O Brasil tem que ser coerente. Defendemos internamente a democracia e o respeito aos direitos humanos. Precisamos aplicar os mesmos princípios em nossa política externa. Onde há ameaça aos direitos humanos o Brasil tem que manifestar sua voz. E se houver um embate maior entre a oposição e o governo venezuelano, por exemplo, pode haver uma crise humanitária na fronteira com o País. Devemos pensar na situação na Venezuela também como um problema que pode afetar os interesses nacionais.

As relações com a Argentina passaram por momentos de crise nos últimos anos. Os governos Maurício Macri e Michel Temer têm condições de melhorar a interação entre os dois países?

Durante o governo Dilma, essas relações foram muito tumultuadas. As duas presidentes (Dilma e Cristina Kirchner) não se entendiam. Além disso, a Argentina passava por uma crise tão grande ou maior à que enfrentamos. Isso fez com que a Argentina tomasse medidas restritivas que prejudicaram sensivelmente o governo e as empresas brasileiras que exportavam para lá, sem que o Brasil tomasse qualquer medida de defesa de nossos interesses. O presidente Macri prometeu uma gradual liberalização do comércio e o fim dessas medidas protecionistas que vão contra as regras do Mercosul e da Organização Mundial do Comércio. E já houve alguma flexibilização em relação aos produtos brasileiros.

Houve problemas também nas relações entre Brasil e Estados Unidos, principalmente depois da revelação de que a ex-presidente Dilma havia sido monitorada pelo governo americano. De que forma isso pode ser reparado?

Não haverá discriminação negativa entre países em desenvolvimento e desenvolvidos. A relação com os Estados Unidos já teve alguma melhoria com a abertura de negociações para facilitações de comércio. Com a ausência de preconceito ideológico contra os Estados Unidos, os laços políticos e culturais entre as duas nações serão ampliados. Vamos voltar a ter relações normais.

A atenção do País em relação a Cuba deverá sofrer alguma mudança?

O Brasil sempre defendeu o fim do embargo contra Cuba e sua reinserção no sistema interamericano. O PT não mudou isso, mas houve ênfase adicional pela relação que o ex-presidente Lula e José Dirceu tinham com Fidel Castro. Houve empréstimos questionáveis para financiar projetos de infraestrutura em Cuba, sobretudo em relação ao porto de Mariel.

“Com a ausência de preconceito ideológico contra os EUA (na foto, o presidente Barack Obama), os laços políticos e culturais entre as duas nações serão ampliados”
“Com a ausência de preconceito ideológico contra os EUA (na foto, o presidente Barack Obama), os laços políticos e culturais entre as duas nações serão ampliados” (Crédito:Foto: Carolyn Kaster/ap)

O Brasil deixará de ser um ‘anão diplomático’, como o classificou um diplomata israelense há dois anos, depois que a ex-presidente Dilma mandou chamar o embaixador brasileiro em Tel Aviv em protesto contra os ataques de Israel à Palestina?

Isso ficou no passado. Essa definição coube ao período Dilma. Durante os cinco anos em que esteve em Brasília, ela ignorou a importância das relações diplomáticas como projeção externa do País. A fala do funcionário israelense foi uma ofensa grave ao Brasil. Mas a política externa retomará seu leito normal. A diplomacia brasileira voltará a defender os interesses nacionais. Não é possível, como diria o Barão de Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior), permitir a utilização político-partidária na condução da política externa. Deve-se fazer a preservação permanente dos interesses do Estado brasileiro. Nos últimos 13 anos vimos prevalecerem as conveniências partidárias sobre as do Estado brasileiro. Exemplo disso ocorreu no caso da desapropriação das duas refinarias da Petrobrás pela Bolívia, quando a Presidência da República reconheceu o direito do governo boliviano de expropriar empresas estatais brasileiras, sem nenhuma reação. Mas isso será superado.

Quais as expectativas do mundo em relação ao Brasil depois do fim da era PT?

O País está quebrado. Precisa fazer os ajustes necessários para a economia voltar a crescer. Possuímos, por exemplo, todas as credenciais para entrarmos no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, mas devemos apresentar condições políticas e financeiras diferentes das que temos hoje. Por isso, é necessário, antes, olhar para nossa casa e colocá-la em ordem.