02/09/2022 - 9:30
Se à primeira vista a imagem de um homem tomando um banho de leite em meio a uma fazenda repleta de gado pode até parecer engraçada ou parte de um meme da internet, a impressão muda quando descobrimos que o personagem retratado nada mais era que o então presidente da Nestlé no Brasil, Ivan Zurita. O objetivo da imagem era apresentar o executivo diante da tarefa de lançar um novo produto no mercado nacional e a foto, apesar de jornalística, vendeu a ideia e mostrou um lado pouco conhecido de Zurita. Esse e tantos outros inusitados cliques, como altos empresários lavando pneus de carro ou lambuzados com molho de tomate, fazem parte do extenso e curioso repertório do fotojornalista Claudio Gatti, profissional por trás de grandes reportagens e importantes capas de revistas, como a ISTOÉ Dinheiro.
Com mais de vinte anos de carreira, Gatti diz que seus trabalhos, apesar do extremo profissionalismo, saem como em uma espécie de improviso, já que ele não trabalha com assistentes e compõe a cena apenas com o olhar apurado e os objetos que tem à mão. “Gosto de sair da foto ortodoxa e tradicional. Penso em uma ideia e então parto para a persuasão”, explica. Ou seja, ao fotografar cenas de empreendedorismo, o fotógrafo raramente se utiliza das poses clássicas, como a de homens de terno olhando para a câmera. “Isso faz toda a diferença, mostra que aquela pessoa é versátil e ousada”, diz ao falar de seus modelos famosos, que incluem até políticos, como o ex-governador do estado de São Paulo, João Doria.
Gatti comenta que tem sido fácil convencer as pessoas a saírem do óbvio, o que varia é a intensidade dos limites estabelecidos pelo alvo de suas lentes. Para ele, o maior desafio é contornar a falta de tempo desses profissionais que muitas vezes, por serem muito ocupados, reservam apenas 15 ou 30 minutos para fazer uma fotografia. “Não tenho uma foto favorita, mas gosto muito do processo que levou a imagem do Alexandre Frankel, presidente da construtora Vitacon, que foi içado com uma bicicleta pelo céu da cidade. Fazer aquela foto foi um grande desafio porque eu não tinha saído de casa com aquela ideia”, explica.
A capacidade de fazer com que grandes personalidades saiam da zona de conforto é que faz com que o trabalho do fotojornalista ganhe tanta repercussão na mídia e nos corredores do mundo dos negócios. Em 2017, expôs em galerias em Paris e em 2019 participou da 58ª edição da Bienal de Veneza. No ano passado, no Shopping D&D e no Centro Cultural FIESP, ambos em São Paulo, apresentou “Retratos do Isolamento, Reflexões da Pandemia”, onde capturou importantes figuras do país enquanto trabalhavam de suas casas, com pantufas e pijamas.Agora seu trabalho está no Museu da Imagem e do Som (MIS), também na capital paulista. “Retratos do empreendedorismo”, com entrada gratuita e em cartaz até o final de setembro, traz uma fração do trabalho que o fotógrafo produziu nas últimas duas décadas. Para a mostra, o curador João Kulcsár selecionou 34 trabalhos de Gatti acompanhados de um vídeo documental sobre o riquíssimo processo de criação do fotógrafo. A foto perfeita, na maioria das vezes, exige muito mais que uma câmera na mão e uma ideia da cabeça. É preciso ver além.