Inspire fundo e segure a respiração por
três segundos. Agora tente respirar sem soltar o ar. Quase impossível? Pois é essa a angústia de um asmático durante as crises da doença. A falta de ar ainda vem acompanhada de tosse, chiado e uma sensação de aperto no peito. Literalmente um sufoco para os 20 milhões de brasileiros que têm asma – doença inflamatória crônica que afeta as vias aéreas respiratórias, provocando o estreitamento dos brônquios (canais pelos quais o ar chega aos
alvéolos pulmonares). A asma se manifesta quando
o sistema de defesa do organismo fica sensibilizado diante da presença de alérgenos (substâncias que induzem à alergia, como ácaro, pêlo de animal, cigarro). A partir daí, o indivíduo começa a reagir sempre que entra em contato com um desses desencadeadores.

Além do sofrimento de sentir o ar acabando, as vítimas enfrentam outro obstáculo sério. Doentes e seus familiares desconhecem como tratar corretamente a enfermidade. Pesquisas apontam que a falta de informação, principalmente a dos pais, é enorme. O problema ficou patente com os resultados de um estudo do Comitê Científico de Iniciativa contra a Asma. O comitê reúne entidades médicas de vários países com o objetivo de criar diretrizes contra o mal. O trabalho, feito em 11 países latinos, concluiu que, dos 46 mil pais de asmáticos entrevistados, 45% afirmavam que a doença dos filhos estava controlada. No Brasil, onde existem sete milhões de crianças vítimas da enfermidade, esse índice chegou a 60%.

Seria ótimo se fosse verdade. No entanto, a pesquisa (patrocinada pelo laboratório GlaxoSmithKline) revelou que 53% desses pais contaram que as crianças haviam sido hospitalizadas semanas antes por causa da doença. Essa é a má notícia. Internação não é sinônimo de controle. “Duas ou mais internações nos últimos 12 meses pode significar um caso persistente grave da doença”, explica o alergologista Dennis Burns, da Sociedade Brasileira de Pediatria. A realidade, porém, é que a maioria dos asmáticos vai ao médico apenas na crise. “É um paliativo que alivia a dificuldade de respiração, mas não trata a inflamação”, afirma o médico Fábio Castro, da Universidade de São Paulo (USP).

Alívio – Há desinformação também quanto à medicação. Muita gente teme que o spray broncodilatador, a bombinha, traga mais malefícios do que benefícios. Porém, o remédio é de grande importância na crise, já que promove o relaxamento da musculatura, aliviando os sintomas. Além disso, muitos interrompem a administração de medicamentos contra a inflamação assim que a crise passa. “Os pais, por exemplo, param de dar remédios quando as crianças melhoram, acreditando que estão curadas”, explica o cientista dinamarquês Soren Petersen, do Hospital de Kolding, na Dinamarca. É um erro porque, dependendo do caso, o processo inflamatório pode continuar existindo.

Petersen veio ao Brasil no mês passado para divulgar um guia de manejo e prevenção da asma que será distribuído a profissionais de saúde de todo o mundo. A necessidade de confecção do livreto surgiu com a constatação de que a falta de conhecimento também atinge os médicos. “Muitos tratam a doença sem separar quem é asmático de quem é alérgico”, afirma Ana Luisa Fernandes, da Universidade Federal de São Paulo. Isso talvez explique o drama que a vendedora baiana Patrícia dos Santos vive cada vez que seu filho, Breno, seis anos, tem uma recaída. “Corro para o hospital”, diz. “O pediatra diagnosticou alergia e disse que só poderia dar o antialérgico na crise”, conta. Na verdade, a asma é sim uma alergia, mas inclui um processo inflamatório importante das vias respiratórias que não pode ser ignorado.

Plano – Mal controlada, a
doença pode matar (no Brasil, são
cerca de 2,5 mil mortes anualmente).
E, segundo o Ministério da Saúde,
no ano passado foram mais de 330 mil internações decorrentes da
enfermidade. Esses números
chamaram a atenção da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Em parceria com o Ministério da Saúde
e com as sociedades de Alergia e Imunologia e de Pediatria, a entidade elaborou um plano de combate à asma que deverá ser incluído no programa Saúde da Família. Os esforços têm como finalidade auxiliar os pacientes a se manter longe das crises. E, de fato, é possível impedir que a enfermidade interfira no cotidiano. “A asma não tem cura, mas o controle pode ser tão eficiente que os sintomas desaparecem”, afirma o médico Daniel Deheinzelin, do Hospital do Câncer de São Paulo.

Para alcançar esse estágio, uma das condições é visitar um especialista a
cada três meses. E saber que a ação terapêutica mais eficiente é a associação de corticóides e broncodilatadores. As substâncias têm ação direta nos brônquios: relaxam a musculatura e tratam a inflamação. Além disso, oferecem ação
prolongada e podem ser usadas em doses menores sem comprometer os resultados. Para se ter uma idéia de quanto isso é verdade, até o empresário paulista Paulo Rodrigues, 41 anos, um asmático fumante, já sente a melhora depois que começou uma séria estratégia de controle. “Além de tomar os remédios diariamente, reduzi de 15 para cinco o número de cigarros por dia”, conta. Outra que controla a doença é a brasiliense Maria Beatriz Vargas, 22 anos. “Nunca deixei de ir a uma balada por causa da doença nem de ter cachorros. Vou regularmente ao médico”, diz. Para reforçar a lista de opções, uma nova droga chegará ao Brasil nos próximos meses. Trata-se do Omalizumabe (nome comercial Xolair). “Ele é de uso contínuo e específico para asma grave. A droga evita a inflamação”, explica Carlos Chueire, do laboratório Novartis, fabricante do remédio. Qualquer tratamento pode ter seu efeito aumentado se for acompanhado de exercícios físicos regulares. A natação, por exemplo, aumenta a força muscular do abdome e do aparelho respiratório. “Uma criança medicada, por exemplo, pode andar de bicicleta ou skate”, esclarece a fisioterapeuta Cristiane Soncino, da USP/Ribeirão Preto.

Genética – Apesar de avanços em pesquisas, a ciência busca respostas para algumas perguntas. Já se sabe, por exemplo, que a asma tem componente genético, mas não foi identificado o gene responsável pela doença. Um estudo coordenado pela Universidade de Toronto, no Canadá, está sendo feito em parceria com universidades do mundo todo, entre elas instituições americanas, brasileiras e chinesas. “Estamos em fase de testes”, afirma Noé Zamel, da Universidade de Toronto. “A descoberta dos genes associados à doença poderá ajudar a bloquear os sintomas precocemente”, acredita o médico Carlos Roberto de Carvalho, do Hospital das Clínicas de São Paulo. O resultado do trabalho sairá nos próximos anos. É mais uma esperança de acabar de vez com a falta de ar.